Remetendo à aprendizagem e ao processo de ensino, circunscrevo aquela ao ambiente escolar, independentemente do nível de ensino: por isso os exemplos e os comentários percorrem diferentes momentos da escolarização, sem qualquer preocupação em definir de antemão uma seriação dos problemas a serem enfrentados pelo aprendiz e pelo professor. Uma reflexão útil num momento de escolarização não deixa de ser útil em outras circunstâncias. De fato, não acredito que em termos de linguagem um caminho único possa ser defendido, porque na língua tudo é complexo: aprende-se a língua num processo de vai e vem contínuo; as reflexões podem ser mais ou menos aprofundadas, dependendo crucialmente dos objetivos mais imediatos da construção de compreensões ou da elaboração de textos dentro das suas condições discursivas de produção.
Na produção de todos estes textos
sempre tive um interlocutor privilegiado: o professor. Aliás, quase
todos eles resultam de encontro com professores, cujas
contribuições, com perguntas, críticas e comentários foram retomadas
em textos posteriores: alguns dos temas ou focos mais precisos são
palavras alheias tornadas próprias pelo esquecimento da origem.
Como salientam vários textos de Bakhtin, em termos de linguagem não
há palavra própria, porque todas as palavras são patrimônio comum,
cada uma delas sobrecarregada de vozes e sentidos. Mas é com elas
que construímos compreensões,rearranjando os já ditos para fazer
surgir o novo: em linguagem, a repetição é já outro enunciado. Que
o diga, por exemplo, o Dom Quixote de Pierre Menard (Borges):
repetindo Cervantes, não diz o mesmo que Cervantes disse.
Os principais pontos de
partida que orientam os textos e que podem constituir o quadro de
pressupostos assumidos previamente, nem sempre explicitados, podem
ser enumerados em enunciados simples:
1. A linguagem é uma
atividade, e as línguas, produtos desta atividade, não são sistemas
fechados e acabados. Porque usadas, as línguas estão sempre em
construção.
2. A escola é um lugar de
aprendizagem e o ensino a ela se subordina, por isso este não pode
definir suas seqüências, fixar um currículo (um caminho) e determinar
desde sua organização o que e o quando algo deve ser aprendido. Quem
está aprendendo é um sujeito falante, produtor de compreensões, com
ritmos, interesses e história.
3. A linguagem não se presta
apenas à comunicação. É nas interações com os outros que ela se
materializa, não só a si mesma, mas também aos sujeitos que por ela se
constituem, internalizando formas de compreensão do mundo,
construindo sistemas ântropo-culturais de referência e fazendo
com que sejamos o que somos: sujeitos sociais, ideológicos,
históricos, em processo de constituição contínua.
Tentando radicalizar estes três
pressupostos (ou princípios), os textos refletem minhas posições a
propósito das relações de poder que se desvelam na sociedade quer pela
discriminação lingüística, quer pela imposição de normas, cujos
sentidos vão muito além das necessárias fixações provisórias das
formas. A introdução do conceito de erro ou a defesa de um purismo
lingüístico, que às vezes beira ao ridículo, não são inocentes. Revelam
outras relações sociais.
A defesa intransigente do direito à
expressão não significa assumir um papel de testemunha desta expressão.
Defendo que o professor, como um outro do aluno, torne-se deste um
co-enunciador, um co-autor de textos, aumentando a experiência
lingüística do aluno pelo convívio com a experiência do professor e dos
autores trazidos à roda de conversa que é cada aula de língua materna.
Por fim, é preciso acrescentar
que este livro tem como seus antecedentes O Texto na Sala de
Aula (Editora Ática), Portos de Passagem (Editora Martins Fontes)
e Linguagem e Ensino (Editora Mercado de Letras), dos quais é uma
continuidade, com retomadas que pretendem aprofundar questões já
tratadas ou enfrentar questões não focadas nos livros anteriores.
Como cada um dos textos foi escrito de forma independente,
algumas repetições permaneceram para dar unidade e completude à
argumentação.
Informações Adicionais
Autor | João Wanderley Geraldi |
Ano de Publicação | 2010 |
Páginas | 208 |
Tamanho | 16x23 |
ISBN | 978-85-7993-021-8 |
Fonte: http://www.pedroejoaoeditores.com.br/estudos-da-linguagem/a-aula-como-acontecimento.html
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