Clara Maria C. Brum de Oliveira
A praxis educativa e sua construção
Até o momento, você estudou que a pesquisa é uma atividade importante para o saber docente. Observou, também, que ela assume uma função educativa para aquele que pretende ensinar e que deve, antes de tudo, aprender a prender. Vamos, agora, problematizar um pouco mais o tema docência, focalizando o sentido de uma praxis educativa, bem como investigar a contribuição da filosofia nesse caminho.
O que significa praxis?
O termo praxis é um termo grego que significa ação (ABBAGNANO, 1982, p. 755). Essa palavra assume o sentido de ação ou atividade, mas configura em Karl Marx um significado muito especial. Para este pensador, refere-se à atividade livre, universal, criativa e autocriativa, através da qual o ser humano cria (faz e produz), transforma (conforma) seu mundo, bem como a si mesmo. Portanto, trata-se de uma atividade inerente ao ser humano e que o torna diferente de todos os demais seres (BOTTOMORE, 1992, p. 292).
Como podemos pensar a ideia de uma praxis educativa?
A ideia de uma praxis educativa está intimamente ligada à concepção de uma educação crítica, no sentido de um modo de proceder que está orientado para ação, para o desocultamento das contradições e desvelamento das aporias nas relações sociais (BAPTISTA, 2008, p. 71).
Busca-se, então, uma prática que visa à alteridade, no sentido de inseri-la no próprio sentido de gênero humano, na “construção do homem” (BAPTISTA, 2008, p. 71). Nesse aspecto, podemos olhar para a célebre frase de Marx segundo a qual os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras, todavia, é preciso transformá-lo, para ressignificar a atividade docente como elemento essencial de uma praxiseducativa.
Uma praxis educativa necessita de uma postura crítica diante da realidade e, ademais, requer o cuidado na seleção de conteúdos, sensibilidade para escolha de estratégias pedagógicas e abertura de espírito para novos saberes. Numa palavra: empenhamento que significa predisposição para enfrentar a atividade docente com curiosidade e entusiasmo.
Como a filosofia pode contribuir para a reflexão crítica?
“O filosofar é um ato pedagógico”
(Jayme Paviani)
Segundo Dalbosco, Casagranda e Mühl (2008, p. 1) a vinculação entre filosofia e educação ficou obliterada em muitos momentos de nossa história pedagógica, por razões teóricas e políticas, considerando-se “o receio contra o poder crítico que o pensamento filosófico poderia exercer quando direcionado à reflexão do processo formativo-educacional de novas gerações”, como, também, a tendência à positivação do espírito que envolveu modelos de racionalidade oriundos da ciência moderna.
Em culturas mais desenvolvidas, sob o ponto de vista do conhecimento, a filosofia assume papel importante nos processos educacionais e contribui de maneira efetiva na formação da imagem do homem e do mundo (PAVIANI, 2008, p. 5), porque a educação é resultado de uma construção filosófica!
Nesse horizonte, podemos resgatar o sentido de uma leitura filosófica da educação e seus atores, observando que o olhar filosófico sobre o mundo não é, e jamais será, privilégio dos filósofos de formação, mas, antes, um olhar que se funda numa investigação criteriosa sobre os fundamentos das nossas maneiras de ser e agir, pois a Filosofia
é um modo de pensar que acompanha o ser humano na tarefa de compreender o mundo e agir sobre ele. Mais que postura teórica, é uma atitude diante da vida, tanto nas condições corriqueiras como nas situações-limites que exigem decisões cruciais (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 81).
A sua utilidade, portanto repousa sobre a possibilidade de nos tornarmos humanos, ou seja, nos apropriarmos dos conhecimentos, dos valores, enfim da cultura produzida na temporalidade histórica (BAPTISTA, 2008, p. 12). Sua importância está
no fato de que, por meio da reflexão, a filosofia nos permite ter mais de uma dimensão, além da que é dada pelo agir imediato no qual o ‘indivíduo prático’ se encontra mergulhado. É a filosofia que dá o distanciamento para a avaliação dos fundamentos dos atos humanos e dos fins que eles se destinam. (...) Portanto, a filosofia é a possibilidade de transcendência humana, ou seja, a capacidade de superar a situação dada e não-escolhida. (...) A filosofia impede a estagnação (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 91 – grifos das autoras).
Não se poderá, portanto desvincular a praxis educativa de um apoio na reflexão filosófica que oportuniza as condições de possibilidade de um olhar crítico sobre a experiência docente, sobre as intencionalidades que se desvelam nas escolhas de conteúdo, bem como na metodologia escolhida para as diferentes áreas do saber humano.
A Filosofia pode ser útil à educação quando assume a tarefa crítica e reflexiva em relação às teorias e ações educacionais, porque não basta ensinar apenas o que se sabe. O professor reflexivo, em verdade, articula saberes, relaciona oposições, ultrapassa suas competências cognitivas para buscar novos saberes e, assim, integrar o outro em sua praxis. Sobre este aspecto Jayme Paviani (2008, p. 13) observa que
O refletir possui, sem dúvida, uma dimensão especificamente filosófica. E, nesse sentido, a filosofia possui as condições de distanciamento epistemológico de criticar a si mesma e de questionar os próprios pressupostos. Em consequência, o filosofar emerge no ato de educar quando em educação, se procuram confrontar, a partir de olhares diferentes, os núcleos identificadores de cada projeto pedagógico.
Assim contribui para uma praxis educativa quando nos conduz às indagações que envolvem valores, crenças e modelos que estão na base de nossa experiência, possibilitando resgatar o que foi esquecido ou negado por teorias e autores que fundamentam tal vivência. Abre, sem dúvida, um espaço a partir do qual experiências e problemas vivenciados ou compartilhados colaboram para reconstrução que une prática e conhecimento.
A metodologia filosófica
Na atividade docente, a Filosofia poderá oferecer ferramentas para o desenvolvimento do pensamento crítico, dentre as quais, destaca-se a possibilidade de ler textos não filosóficos de maneira filosófica.
Neste ponto, alguns autores denominam esse saber-fazer de método de análise estrutural que não está relacionado ao pensamento estruturalista, mas focaliza a estrutura interna de um texto, filosófico ou não. Desvela a importância da coerência de argumentos, conceitos e proposições. O que não significa dizer que não se possam utilizar outros recursos para uma análise eficiente – um texto poderá ser abordado de diversas maneiras (MACEDO JR., 2008).
Nesse sentido, o primeiro passo está em perceber e compreender a coerência e a lógica interna dos argumentos do autor do texto. E, como leitor-discípulo, afasta-se momentaneamente a análise crítica. Antes de tudo, preocupa-se com a compreensão do que está sendo dito e como está sendo dito. Isto significa dizer que o olhar filosófico se preocupa com a lógica interna que desvela o pensamento do autor. Porque cada teoria/autor apresenta uma ordem das razões e, se não compreendermos essa lógica interna, a reflexão crítica não será possível, ou será ingênua (MACEDO JR., 2008). Então, vencida essa primeira etapa, chega-se à compreensão do método de pensar e de organizar um discurso apresentado pelo autor do texto que está sendo lido. Assim,
O leitor estrutural deve buscar compreender o texto a partir do sistema a que pertence, segundo a ordem interna das razões, ad mentem auctoris, isto é, segundo a mente do autor, recuperando, assim, o seu tempo lógico interno (MACEDO JR., 2008, p. 14)
Diferente de outras metodologias, o método de análise estrutural se preocupa com “a concatenação argumentativa das teses de um autor, a sua estrutura e coerência interna” (MACEDO JR., 2008, p. 14). Compreender seu tempo lógico significa refazer seus passos, repensar os movimentos que a estrutura do texto desvela. É nesse caminho em direção à intencionalidade do autor de um texto ou teoria, que o método de análise estrutural se afigura como uma leitura reflexiva.
Como ler à moda da Filosofia?
Segundo Ronaldo Porto Macedo Jr (2008, p. 23-25) algumas dicas são importantes para o método de análise estrutural:
1. Verifique em quantas partes o texto que está sendo lido poderá ser dividido. “Alguns já vêm divididos pelo próprio autor, outros não”;
2. A escolha do número de partes deve estar relacionada à lógica interna do texto;
3. Numere os argumentos à margem do texto para que você visualize a sua estrutura;
4. Defina com clareza numa proposição qual o argumento desenvolvido em cada parte;
5. Leia com atenção especial a parte que contém a ideia central e estruturante do argumento principal;
6. Domínio dos conceitos: familiarize-se com o repertório conceitual do autor;
7. Ao final da leitura, responda a si mesmo as seguintes perguntas: Do que trata o texto? Qual o tema principal? Como o autor o desenvolve? Contra quem o texto está sendo escrito? Devo concordar com as ideias do autor?
Referência:
MACEDO JR. (Coord.). Curso de filosofia política: do nascimento da filosofia a Kant. São Paulo: Atlas, 2008.
Os sujeitos do processo educativo
O outro, enquanto outro, é algo que não posso reduzir à minha medida. Mas é algo do qual posso ter uma experiência que me transforma em direção a mim mesmo (LARROSA, 1996, p. 138 apud FALABELO, 2008, p. 66).
A docência é uma atividade profissional que transcende a dimensão de um simples meio de vida, porque está comprometida com a formação de pessoas, num processo em que ocorre um entrecruzamento de vivências e olhares.
Nesse processo educativo há o compromisso com a humanização que somente acontece a partir de uma dinâmica que se afigura no contato com o outro, mediado pela linguagem que é um instrumento simbólico que permite a comunicação para compartilhar as representações.
No mundo contemporâneo, os sujeitos do processo educativo: professor e aluno assumem papéis diferenciados, porque a busca pelo conhecimento ultrapassa o discurso docente e o material didático sugerido. A própria sala de aula, como espaço físico, deixou de ser o lugar exclusivo para o encontro em que há trocas de experiências, reconstrução de saberes e deslocamento de conceitos a partir de novas racionalidades (SOUZA, 2009).
Antes de prosseguir assista ao vídeo que trata dos sete saberes para a educação do futuro do filósofo francês, Edgar Morin, comentado pelo Professor Dr. Edgard Carvalho da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo:
Se você refletir sobre os sete saberes* para educação do futuro propostos por Edgar Morin, constatará que escolher as fontes do conteúdo a ser ministrado e sua organização exige, sem dúvida, o domínio da área de conhecimento, bem como a percepção de um novo espaço para relação ensino-aprendizagem.
[* Os sete saberes são: “as cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão;os princípios do conhecimento pertinente; ensinar a condição humana; ensinar a identidade terrena; enfrentar as incertezas; ensinar a compreensão; a ética do gênero humano.” MORIN, Edgar Os sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. 3. ed. São Paulo:Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2001. Para saber um pouco mais sobre a obra e o autor acesse o link: http://www.conteudoescola.com.br/site/content/view/89/27/]
Na educação contemporânea, os alunos devem ser vistos, também, como uma fonte de conhecimento (MOORE; KEARSLEY, 2008), porque as transformações tecnológicas que marcam a atualidade provocaram e provocam mudanças de conceitos e métodos de trabalhos (PINHEIRO, 2010).
Patrícia Peck Pinheiro (2010, p. 58), observa que os novos tempos nos conduzem ao que se denomina de “sociedade convergente”, entendendo sobre esse termo o sentido de uma sociedade em constante transformação desde a criação do telefone, instrumento que revolucionou as relações sociais até o surgimento das redes sociais.
Numa sociedade convergente há o encurtamento das distâncias, há a multicomunicação em novos veículos que alteram de maneira significativa as relações sociais. A convergência se configura na possibilidade de interligar diferentes sujeitos simultaneamente. É nesse sentido que uma reflexão crítica sobre a docência deve considerar os novos sujeitos que se afiguram a partir das transformações sociais e dos reflexos no campo do saber. Sujeitos que experimentam o conhecimento a partir de uma relação dialética. Por conseguinte, os conceitos de ensinar e aprender, professor e aluno devem ser revistos à luz de novos paradigmas em educação.
Para finalizar, assista ao vídeo que trata da do papel da cultura na formação do sujeito transformador:http://www.youtube.com/watch?v=EhFqc3W7YcM&feature=related
Fonte: http://clarabrum.blogspot.com.br/2013/05/os-desafios-de-uma-praxis-educativa.html