Reportagem ZERO HORA - 24 de abril de 2010
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CLÁUDIO MORENO
Antes que o estimado leitor desista de ler esta coluna, apresso-me em esclarecer que, apesar do título (alguns moderninhos escreveriam “de o título”, mas eu, para honrar os bons professores que tive, não posso cair nessa armadilha) – apesar do título, repito, referir-se a um fenômeno da internet, pretendo tratar exclusivamente de assuntos de nosso idioma – aliás, como vem acontecendo aqui, sábado sim, sábado não, há quase oito anos. Marta de tal, revisora de texto (“mas de primeira viagem”, acrescenta ela, simpaticamente), quer saber como ficaria em Português o verbo relativo ao Twitter, atualmente uma das formas mais populares de relacionamento na internet. “Minha colega, também revisora, aportuguesou para tuitar, mas eu defendo twittar, respeitando a origem da palavra. Qual das duas o senhor prefere?”.
Nossa revisora – que, ao contrário de muitos de seus colegas, tem a rara virtude de confessar que está em dúvida sobre alguma coisa – acrescenta, na sua mensagem, que um professor de Pernambuco defende a mesma forma que ela, alegando que, sendo Twitter um nome estrangeiro, teríamos de aplicar aqui a “regra da nova ortografia que manda escrever com K, W e Y as palavras derivadas de um nome próprio estrangeiro escrito com essas letras”, como darwinismo (de Darwin) ou kardecista (de Kardec). Pois eu, prezada Marta, vou discordar de ti e do insigne professor, baseado em alguns princípios fundamentais que regulam o processo de aportuguesamento de um vocábulo estrangeiro.
Para os que não pertencem à tribo dos cibernautas, explico que o Twitter é uma rede social que nos permite enviar e receber mensagens curtas (apenas 140 toques – o que corresponde ao texto que escrevi do início deste parágrafo até o parêntese de abrir). Como essas curtíssimas mensagens podem ser comparadas a um breve pio, seus idealizadores batizaram a rede de Twitter, verbo do Inglês que, segundo o Oxford English Dictionary, é uma onomatopeia para designar exatamente a voz dos passarinhos. Pois aí já começa a inana: nos países de língua inglesa existe, para este verbo, a variante tweet. Se simplesmente importássemos (meio à moda galega...) um desses verbos do Inglês, teríamos aqui uma escolha ingrata entre tweetar e twittar (não sei qual dos dois é mais horrendo). No entanto, se fizermos com eles – nota que não importa qual deles – a nacionalização que nossa língua costuma fazer com todos os vocábulos importados, ele vai ingressar aqui necessariamente como tuitar, significando “postar uma mensagem no tuíter”. Esta é a forma que recomendo, assim como recomendo tuíter também para o aportuguesamento do substantivo tweeter, nome dado ao alto-falante para sons agudos, vocábulo corriqueiro para quem trabalha no campo da sonorização de carros e de ambientes.
Outra coisa: aquele professor se refere a uma regra “da nova ortografia” que manda grafar com W os vocábulos derivados de nomes próprios estrangeiros. Para começar, essa regra é velha como a Sé de Braga. Sempre foi assim, desde o Acordo de 1943. O Novo Acordo, na sua desonestidade implícita, anunciou como novidade o que já era velho; sempre se escreveu shakespeariano, kleiniano, wagneriano, etc., seguindo o princípio absolutamente sensato de preservar a forma original dos grandes nomes das ciências e das artes que servem para batizar movimentos, teorias, correntes filosóficas e artísticas, incluindo aí vários epônimos médicos e técnicos que derivam do nome de seus inventores e pesquisadores. Se aportuguesássemos keynesiano para queinesiano – como costumamos fazer com os vocábulos comuns – seria muito difícil reconhecer, neste mostrengo, o nome de Lord Keynes, um dos mais importantes teóricos da história da Economia.
Não me parece, no entanto, que o twitter tenha esse perfil. Ele é apenas uma marca registrada estrangeira que, por sua popularidade, acabou se tornando um vocábulo comum em dezenas de idiomas (e por isso, a meu ver, já merece minúscula). Fenômeno similar ocorreu com Jeep, Teletype, Yo-yo ou Bakelite – que figuram alegremente em nossos dicionários como jipe, teletipo, ioiô e baquelite. Até mesmo nome de gente, quando não se enquadrar entre os nomes da ciência e do mundo da cultura a que nos referimos no parágrafo anterior, passa pelas devidas adaptações ortográficas ao ingressar em nosso léxico: por exemplo, de Lynch extraímos linchar, linchamento, etc.; de Boycott, boicote e boicotar. E assim por diante. Por tudo isso, acho que deverias ficar com tuitar, conjugando-o como um bom e pacato verbo regular: eu tuíto, tu tuítas, ele tuíta – ou ele não tuíta, nem tem vontade de tuitar. A propósito: quanto a mim, eu tuíto, sim, com o codinome de @moreno– – o que se lê, em bom vernáculo, “moreno anderlaine”.
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