quinta-feira, 2 de junho de 2011

Saussure, Benveniste, Bakhtin







O objeto de estudo da lingüística é a língua. Estes três estudiosos nos apresentam pontos vista distintos a este respeito.
Para Saussure a língua é um sistema de signos que exprime idéias, um conjunto de convenções necessárias adotadas pelo social para permitir o exercício desta faculdade pelos sujeitos. Ela é percebida como um produto acabado, depositado na mente do indivíduo para que viva em sociedade. Este estudioso é representante na filosofia da linguagem do Objetivismo Abstrato, que vê como centro orientador da língua o sistema lingüístico, ou seja, o sistema de formas fonéticas, gramaticais, lexicais da língua. Língua, neste sentido, está fora do curso da comunicação verbal.
Bakhtin vai além desta visão, quando percebe a língua como um conjunto de vozes sociais, que se entrecruzam num processo contínuo, onde se formam novas vozes. Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada. “O centro organizador de toda comunicação, de toda expressão, não é o interior, mas o exterior: está situado no meio social que envolve o indivíduo”. É no social que se constroem os significados e a língua é atualizada. Bakhtin critica então, a posição filosófica da linguagem do Objetivismo Abstrato, por não considerar a enunciação monológica, por não considerá-la um produto acabado. Segundo ele, a língua, embora tenha uma relativa estabilidade, ela evolui, se atualiza juntamente com o contexto sócio-histórico. Ele critica também o Subjetivismo Idealista, porque não entende a fala como uma criação individual, que surge a partir de condições da vida psíquica do indivíduo. Entende que a palavra possui sempre um conteúdo/um sentido ideológico ou vivencial.
Para Benveniste, a língua é uma estrutura da qual o sujeito se apropria para se enunciar diante do outro. Sua concepção é de movimento, onde leva em conta o tempo e a intenção atualizada. Para ele língua inexiste sem troca ou expressão de pessoa. Em sua estrutura há a possibilidade de surgir à subjetividade, na relação eu/tu constituída.
De acordo com o contexto sócio-histórico, com interesses, valores, necessidades envolvidas sejam individuais ou grupais, quando a palavra é proferida, através de signos carregados de significados próprios, ela é compreendida em sua intenção no contexto de onde ela emergiu. Caso contrário ela não será interpretada de acordo com sua intenção. A fala, segundo Bakhtin, é sempre de natureza social, enquanto que para Saussure ela é um ato individual, de inteligência e de manifestação momentânea. Para este a palavra é valorizada na sua unicidade, no seu significado em si. Bakhtin, no entanto, entende a palavra como uma ponte, uma ligação entre o locutor e o ausente, carregada de conteúdo, sentido, valoração arbitrária. Ela se apóia no “eu” e no “outro” de maneira responsiva.
A enunciação, que se utiliza da fala, é rejeitada por Saussure, porque considera que apenas o sistema lingüístico pode dar conta da língua. Bakhtin, entretanto a considera como um produto da interação social, onde o seu significado nunca coincide com o conteúdo verbal. As palavras ditas, muitas vezes estão impregnadas de coisas presumidas e não ditas, seja pela entonação, pelo silêncio entre elas, pela linguagem corporal. Muitas vezes o próprio contexto tem mais sentido do que a palavra.
Enunciação, de acordo com Benveniste, é única em seu ato. De acordo com o tempo (físico, crônico e lingüístico), com a intenção, ela é atualizada. Seu ponto de referência é o sujeito, apesar de ser estruturalista, utilizando pronomes, verbos e o tempo, principalmente, para explicar a enunciação e o discurso na (inter) subjetividade. Para compreendermos melhor sua teoria é importante conhecer a divisão de tempo por ele feita. Tempo físico: visto como um contínuo linear, infinito, onde o sujeito mede-o de acordo com as suas emoções, com o ritmo de sua vida interior – é uma visão subjetiva de tempo; tempo crônico: é o tempo dos acontecimentos, que mede a vida pelos eventos, pelo calendário. Ele considera a vida uma sequência de acontecimentos - é uma visão objetiva de tempo; tempo lingüístico: está ligado organicamente através do exercício da fala. Ele se define e se organiza em função do discurso, onde o presente é reinventado a cada ato individual – remete a uma subjetividade.
Na interação entre indivíduos são feitas enunciações que fazem parte de um diálogo. Esta relação dialógica para Bakhtin necessita da palavra (como material lingüístico) que no discurso transforma-se em enunciado, com sentido (considerando o contexto sócio-histórico). Só assim será possível ao indivíduo responder, confirmar, opor, rejeitar, confrontar a palavra do outro.
Para Benveniste só no discurso o pronome é carregado de significado, caso contrário ele é considerado uma forma vazia apenas (um dêitico). No discurso o “eu” fala com o “tu”. Há uma mudança de estado de acordo com a posição emissor-receptor: “quem fala para quem”? É também referida uma terceira pessoa no discurso através da língua: o “ele”, que pode ser outra pessoa (presente ou não), um livro comentado, uma questão política, uma representação de algo, etc. Na constituição de um discurso, composto de enunciados, a classe de palavras utilizadas é que marca a presença do sujeito que a utiliza – sua subjetividade. Ex: “Suponho que todos tenham descansado neste feriado”. “Ele conseguiu provocar minha curiosidade”.
O sujeito, envolvido nas interações e suas relações dialógicas, não é referido por Saussure, pelo fato de que ele estuda a língua em sua estrutura formal apenas. Ele inclui o social apenas do ponto de vista da convenção das regras do sistema lingüístico.
Benveniste surge nesta época reintroduzindo o sujeito na linguagem, através de uma abordagem enunciativa. O sujeito (eu) é aquele que se coloca em relação ao outro (tu) de modo instintivo, natural nas suas interações, através da linguagem em todos os discursos. O “eu” como pronome, é designado a produzir em cada discurso uma nova pessoa. A subjetividade para Benveniste tem grande importância em seus estudos. Leva em conta a capacidade do locutor se propor como sujeito na e pela linguagem. Se a identidade do sujeito se constrói na relação com o Outro então, subjetividade remete a (inter) subjetividade. “Torno-me o que sou na medida em que me comunico, em que interajo com o Outro”. O “eu” influencia e é influencia pelo Outro (tu) de maneira contínua, onde ambos são sujeitos.
Bakhtin também inclui o sujeito em seus estudos. Para ele língua é interação e o sujeito é produzido pela sociedade através das interações que realiza durante toda sua vida. Nestas interações signos precisam ser interpretados, decodificados. Pelo fato de serem ideológicos, eles são fluidos, permitem a expressão de idéias, cruzam sentidos, são plurais. São “verdades” sociais que vão se resignificando de acordo com o contexto e seus discursos, requerendo para tal uma compreensão responsiva. O significado é então, construído na dinâmica da história e marcado pela diversidade de vivências, contradições, componentes de valoração, etc. E a significação não é dada pelo signo em si, mas pela reprodução, estabilização, pela potencialidade que a palavra apresenta em determinado contexto sócio-histórico.

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