terça-feira, 7 de agosto de 2012

TIC e alfabetização, o desafio do ovo e da galinha


“Não dá para definir ao certo o que vem primeiro, mas são dois fenômenos muito relacionados”, diz Fernanda Cury, consultora do Instituto Paulo Montenegro. O Inaf entrevistou uma amostra nacional de 2.000 pessoas entre 15 e 64 anos para avaliar as habilidades em leitura, escrita e matemática, e as classifica em quatro níveis de alfabetismo: os analfabetos e os alfabetizados em nível rudimentar, que são considerados analfabetos funcionais, e os alfabetizados em nível básico e em nível pleno, que são considerados funcionalmente alfabetizados.
crédito gudrun / Fotolia.com

Apesar de especialistas ouvidos pelo Porvir concordarem que se trata de um processo que se retroalimenta, eles consideram que o uso das TIC acaba sendo uma oportunidade de aprimorar o letramento. “O grupo dos analfabetos funcionais ou o de alfabetismo básico, embora tenha um repertório inferior ao grupo dos alfabetizados em nível pleno, faz uso da internet para a realização de um bom número de atividades, confirmando o potencial das TIC para o desenvolvimento das habilidades de alfabetismo”, destaca a análise produzida pela equipe do instituto. Tanto é assim que entre considerados analfabetos funcionais que fizeram buscas na web, 53% procuraram informações em sites de produtos e serviços – como endereços, trajetos e diversão – , ou em enciclopédias, atividades que exigem certo grau de desenvolvimento cognitivo.
“Mal comparando, é a mesma lógica do que acontece com o aprendizado de inglês. Para entender o que está na internet, muita gente acaba se forçando a aprender ou a arranhar a língua”
Ainda de acordo com os dados do Inaf, entre os analfabetos funcionais que utilizam as TIC, 69% disseram usar os recursos para enviar mensagensinstantâneas, 65% para participar de redes sociais e 64% para enviar e receber e-mails, três opções diretamente relacionadas com a interação entre os indivíduos. Para Rodrigo Scama, fundador do Instituto Faber-Funden, especializado em tecnologia e educação, esses números fazem todo o sentido porque as TIC hoje são uma forma de inserção social para todos os grupos da sociedade. “A pessoa se sente alijada se não está nesse meio virtual, no Orkut, no Facebook. Quando ela entra, ela está buscando se socializar, encontrar semelhantes.”
Para o especialista, que é também historiador, a sociedade vem sofrendo com a perda de espaços de sociabilidade, obrigando as pessoas a trocarem o bate-papo na esquina pelo on-line. “Ele sente necessidade de interagir e, por isso, entra nessa rede.” Acontece, afirma ele, que essa rede exige habilidades de leitura e escrita, e a pessoa acaba tendo que se adaptar. “Mal comparando, é a mesma lógica do que acontece com o aprendizado de inglês. Para entender o que está na internet, muita gente acaba se forçando a aprender ou a arranhar a língua”, afirma.
Maria do Rosário Mortatti, presidente da Sociedade Brasileira de Alfabetização e professora na Unesp em Marília, também considera que as TIC têm potencial para a promoção de práticas de letramento, uma vez que ajuda a dinamizar e tornar mais agradáveis as atividades de ensinar e aprender e também propicia a compreensão ativa de alguns usos e funções sociais da leitura e da escrita. No entanto, ela alerta que o recurso, apesar de importante, é apenas uma dentre as muitas possibilidades de compreensão dos sentidos da leitura e da escrita: “no contexto da sociedade da informação, a utilização das TIC pode ser um bom começo, ou um bom meio; nem de longe, porém, representa um fim para os que de fato se ‘apropriaram’ ou desejam se apropriar da língua escrita”, diz.
Números gerais
O Inaf apresenta dados gerais sobre o alfabetismo funcional no Brasil desde 2001 e, a cada ano, traz um recorte especial. Desta vez, o assunto em foco foi o uso das TIC entre os entrevistados. Nesta edição, que completa uma série histórica de 10 anos de pesquisa, há boas e más notícias. Enquanto o analfabetismo funcional caiu de 39% para 27%, a proporção dos que atingem um nível pleno de habilidades de leitura, escrita e cálculo permaneceu praticamente inalterada na última década, sempre em torno dos 25%.
De acordo com Ana Lúcia Lima, diretora executiva do Instituto Paulo Montenegro, esses números revelam que o Brasil vem conseguindo melhorar os níveis iniciais da alfabetização, dado muito relacionado à universalização do acesso à escola, mas peca na qualidade desse acesso. “Os dados são muito interessantes pois, de um lado, mostram avanços importantes na redução do analfabetismo absoluto e no nível rudimentar e, de outro, revelam que a proporção de pessoas que atingem o nível pleno de alfabetismo está estagnada há 10 anos. Só vamos conseguir avançar daqui pra frente com mais qualidade, pois as possibilidades de futuros avanços fruto da quantidade (de pessoas na escola, de anos de estudo) já estão se esgotando”, afirma.

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