1) DISCURSO DA ÉTICA E A ÉTICA DO DISCURSO, DE VALDEMIR MIOTELLO
Por Ruth Schmitz de Castro
Em 2009, a Escola da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais promoveu um ciclo de palestras sobre Ética Aplicada. A ideia de realizar esse evento nasceu de uma reflexão coletiva sobre a importância de pensarmos a ética a partir das noções de sujeito, liberdade e alteridade, de reafirmarmos a sua condição de pedra basilar nas relações entre Estado e cidadão e de discutirmos a sua dupla condição de constitutiva do e constituída pelo discurso. Ao empreendermos um debate sobre liberdade, justiça, honestidade e solidariedade, virtudes e valores, entre outros, já culturalmente introjetados, quisemos nos distanciar do discurso que reduz a ética a prescrições de condutas, e possibilitar reflexões que devolvessem ao termo ética sua potencialidade filosófica, sem abordá-lo apenas como adjetivo, atributo ou qualificativo. A tentativa de calar na palavra ética sentidos atribuídos sem cuidado, de ultrapassar o seu uso banalizado trazia a intenção de acionar essa palavra que se desgasta, porque vem perdendo sua condição substantiva, e evocá-la num sentido mais pleno, teórico e prático, técnico e político, racional e apaixonado, filosófico, enfim. Dessa forma, objetivávamos o desdobramento da reflexão em outras questões, tais como: de que maneira definimos nosso destino, como escolhemos nossos caminhos, que critérios elegemos para orientar nossa vida presente e de que forma essa vida esculpe nosso futuro como humanidade. Sabemos que a reflexão sobre a ética não torna ninguém ético, da mesma forma que “a reflexão sobre as virtudes não torna ninguém virtuoso”, mas essa reflexão pode desenvolver a humildade “tanto intelectual, diante da riqueza da matéria e da tradição, quanto propriamente moral, diante da evidência de que essas virtudes nos fazem falta, quase todas, quase sempre, e de que, entretanto, não poderíamos nos resignar à sua ausência nem nos isentar de sua fraqueza, que é a nossa”, como bem nos lembra Comte-Sponville . O diálogo orquestrado pelo professor Valdemir Miotello que ocorreu no dia 06 de outubro de 2009, sob o título “Discurso da Ética e Ética do Discurso”, propiciou ao grupo presente o cultivo da humildade principalmente por trazer à baila a lembrança de nossa condição de seres em permanente construção. Propiciou também, como desejávamos, o deslindamento da opacidade dos sentidos no discurso e pelo discurso. O diálogo filosófico, como o texto que apresentamos evidencia, se mostra como um exercício do pensar coletivo, tão necessário no enfrentamento de problemas, porque propicia explicitações de escolhas, manifestações da singularidade irrepetível da tomada de posição, de que nos fala Bakhtin, no caminho também único e irrepetível percorrido por Miotello em sua palestra. Se a unicidade do ato de nos posicionar não traz respostas definitivas para nossas grandes questões, ela nos ajuda a formulá-las com mais cuidado e a enfrentá-las com mais paciência. Em vez de buscar a resposta para “o que somos?” passamos a desdobrá-la em outra: “o que podemos vir a ser?” ou “o que podemos nos tornar?” e, dessa forma, conquistar a consciência de que sair da perspectiva do passado, transformar o presente e ser dono do futuro exige a ação, o ato responsivo e responsável. O ato ético só se instaura quando o Outro entra em cena. Essa é uma das reflexões bakhtinianas com que o diálogo com Miotello nos brinda: o que confere sentido e pode parar a crise contemporânea é o agir responsável do não álibi no ser. Não temos álibi, não temos desculpas para não agir nem para não declarar nossas escolhas. E agir é sempre um inter-agir com o Outro, e é o Outro, do seu lugar também singular, que nos faz surgir, que nos confere significado. A ação ética está, pois, sempre sob o nosso poder, sob a nossa deliberação. É fruto e medida da nossa capacidade de extrair das possibilidades as escolhas que poderão viabilizar (ou não) as nossas mais caras utopias. É da liberdade e da responsabilidade construídas com a mesma matéria de que são feitos o tempo e a história, a nossa história, que podemos retirar a ação ética que ultrapassa a esfera do interesse, da competitividade, do esquecimento ou do apagamento do Outro e que deseja ardentemente, a “gratuidade de um absoluto do bem e da justiça” . É na exposição passiva, vulnerável e cheia de riscos que algo nos acontece e esse algo nos toca e nos transforma. Como no exercício das escolhas audaciosas, o perigo nos espreita, mas só esse exercício é capaz de definir e demarcar nossa relação com o mundo. E a possibilidade de religar cultura e vida reside na singularidade do ato, do qual não podemos nos eximir. É nesse conflito interminável que nos constituímos éticos, ainda que sempre marcados pelos limites que nos impõem o tempo e o território que habitamos. Importante ressaltar que, apesar das inúmeras razões que temos para reverenciar a palavra escrita, a presente publicação é uma tentativa de registro e resgate de momentos únicos de palavras trocadas ao vivo, sob olhares emocionados ou contrariados, entre risos de júbilo pelo acolhimento ou nervosos pela breve inquietação gerada por prováveis divergências. Nesses tempos em que a ciência, a técnica e a facilidade de acesso à informação paradoxalmente nos confundem com a ilusão de ser possível ter uma resposta rápida e segura para as perguntas que paralisam nossas ações e opções, a prática discursiva, a tertúlia ou simplesmente a conversa parecem ter o condão de devolver as escolhas à esfera do pensar em conjunto, do trocar ideias, do argumentar em busca de razões que as justifiquem (nossas ações e opções) ou que as façam nos parecer as mais justas. O estar junto, o ouvir alguém que nos dirige a palavra, faz da palestra, da conferência, da aula, “lugares vazios dispostos a se irem enchendo, sucessivamente, lugares da voz, onde se vai aprender de ouvido, o que resulta ser mais imediato que o aprender pela escrita, a qual inevitavelmente há que se restituir sotaque e voz para que assim sintamos que nos está dirigida” . Talvez aí resida o porquê da palavra dita, proferida em voz alta, dada sempre em seu percurso de construção, ser inapreensível, porque na escuta, como ensina ainda a filósofa Maria Zambrano, não temos que ir nos encontrar com a palavra; ela apenas vem, nos é destinada e por nós é sentida. E “pensar é, antes de tudo – como raiz, como ato –, decifrar o que se sente” . O diálogo com o Professor Valdemir Miotello que transcrevemos a seguir foi acomodado a um novo formato e, é claro, preserva as marcas de oralidade e carrega suas limitações, pois é impossível reproduzir o tom, a emoção, a palavra que flui entre intervalos ora estendidos, ora comprimidos e que por isso se desdobra no tempo e na memória. Contudo, não perde sua capacidade de reforçar a ideia de que é no debate livre e democrático, no enfrentamento dos conflitos e no reconhecimento do Outro que se dá a formação do ser humano livre e justo, pois o que nos prepara para o agir ético e responsável é somente o risco de exercê-lo radical e diuturnamente. Além disso, possibilita resgatar, tácita ou explicitamente, as ideias de ética como um construto da liberdade e de humanidade como o que nos confere a possibilidade de sermos livres. Essa humanidade que nos iguala na condição de seres livres, também nos distingue de outros animais e evidencia nossa perfectibilidade: não nascemos prontos. A vida que escolhemos viver e a ação que assumimos pôr em curso é que vão nos permitir avaliar se estamos ou não nos aprimorando. Ser perfectível, aperfeiçoar-se é potência do ser humano. Verter essa potência em ato é conquista e risco do exercício da nossa liberdade.
2) TEXTO, DISCURSO, GÊNERO: ALGUNS ELEMENTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS, DE ADAIL SOBRAL:
Por Ruth Schmitz de Castro
Em 2009, a Escola da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais promoveu um ciclo de palestras sobre Ética Aplicada. A ideia de realizar esse evento nasceu de uma reflexão coletiva sobre a importância de pensarmos a ética a partir das noções de sujeito, liberdade e alteridade, de reafirmarmos a sua condição de pedra basilar nas relações entre Estado e cidadão e de discutirmos a sua dupla condição de constitutiva do e constituída pelo discurso. Ao empreendermos um debate sobre liberdade, justiça, honestidade e solidariedade, virtudes e valores, entre outros, já culturalmente introjetados, quisemos nos distanciar do discurso que reduz a ética a prescrições de condutas, e possibilitar reflexões que devolvessem ao termo ética sua potencialidade filosófica, sem abordá-lo apenas como adjetivo, atributo ou qualificativo. A tentativa de calar na palavra ética sentidos atribuídos sem cuidado, de ultrapassar o seu uso banalizado trazia a intenção de acionar essa palavra que se desgasta, porque vem perdendo sua condição substantiva, e evocá-la num sentido mais pleno, teórico e prático, técnico e político, racional e apaixonado, filosófico, enfim. Dessa forma, objetivávamos o desdobramento da reflexão em outras questões, tais como: de que maneira definimos nosso destino, como escolhemos nossos caminhos, que critérios elegemos para orientar nossa vida presente e de que forma essa vida esculpe nosso futuro como humanidade. Sabemos que a reflexão sobre a ética não torna ninguém ético, da mesma forma que “a reflexão sobre as virtudes não torna ninguém virtuoso”, mas essa reflexão pode desenvolver a humildade “tanto intelectual, diante da riqueza da matéria e da tradição, quanto propriamente moral, diante da evidência de que essas virtudes nos fazem falta, quase todas, quase sempre, e de que, entretanto, não poderíamos nos resignar à sua ausência nem nos isentar de sua fraqueza, que é a nossa”, como bem nos lembra Comte-Sponville . O diálogo orquestrado pelo professor Valdemir Miotello que ocorreu no dia 06 de outubro de 2009, sob o título “Discurso da Ética e Ética do Discurso”, propiciou ao grupo presente o cultivo da humildade principalmente por trazer à baila a lembrança de nossa condição de seres em permanente construção. Propiciou também, como desejávamos, o deslindamento da opacidade dos sentidos no discurso e pelo discurso. O diálogo filosófico, como o texto que apresentamos evidencia, se mostra como um exercício do pensar coletivo, tão necessário no enfrentamento de problemas, porque propicia explicitações de escolhas, manifestações da singularidade irrepetível da tomada de posição, de que nos fala Bakhtin, no caminho também único e irrepetível percorrido por Miotello em sua palestra. Se a unicidade do ato de nos posicionar não traz respostas definitivas para nossas grandes questões, ela nos ajuda a formulá-las com mais cuidado e a enfrentá-las com mais paciência. Em vez de buscar a resposta para “o que somos?” passamos a desdobrá-la em outra: “o que podemos vir a ser?” ou “o que podemos nos tornar?” e, dessa forma, conquistar a consciência de que sair da perspectiva do passado, transformar o presente e ser dono do futuro exige a ação, o ato responsivo e responsável. O ato ético só se instaura quando o Outro entra em cena. Essa é uma das reflexões bakhtinianas com que o diálogo com Miotello nos brinda: o que confere sentido e pode parar a crise contemporânea é o agir responsável do não álibi no ser. Não temos álibi, não temos desculpas para não agir nem para não declarar nossas escolhas. E agir é sempre um inter-agir com o Outro, e é o Outro, do seu lugar também singular, que nos faz surgir, que nos confere significado. A ação ética está, pois, sempre sob o nosso poder, sob a nossa deliberação. É fruto e medida da nossa capacidade de extrair das possibilidades as escolhas que poderão viabilizar (ou não) as nossas mais caras utopias. É da liberdade e da responsabilidade construídas com a mesma matéria de que são feitos o tempo e a história, a nossa história, que podemos retirar a ação ética que ultrapassa a esfera do interesse, da competitividade, do esquecimento ou do apagamento do Outro e que deseja ardentemente, a “gratuidade de um absoluto do bem e da justiça” . É na exposição passiva, vulnerável e cheia de riscos que algo nos acontece e esse algo nos toca e nos transforma. Como no exercício das escolhas audaciosas, o perigo nos espreita, mas só esse exercício é capaz de definir e demarcar nossa relação com o mundo. E a possibilidade de religar cultura e vida reside na singularidade do ato, do qual não podemos nos eximir. É nesse conflito interminável que nos constituímos éticos, ainda que sempre marcados pelos limites que nos impõem o tempo e o território que habitamos. Importante ressaltar que, apesar das inúmeras razões que temos para reverenciar a palavra escrita, a presente publicação é uma tentativa de registro e resgate de momentos únicos de palavras trocadas ao vivo, sob olhares emocionados ou contrariados, entre risos de júbilo pelo acolhimento ou nervosos pela breve inquietação gerada por prováveis divergências. Nesses tempos em que a ciência, a técnica e a facilidade de acesso à informação paradoxalmente nos confundem com a ilusão de ser possível ter uma resposta rápida e segura para as perguntas que paralisam nossas ações e opções, a prática discursiva, a tertúlia ou simplesmente a conversa parecem ter o condão de devolver as escolhas à esfera do pensar em conjunto, do trocar ideias, do argumentar em busca de razões que as justifiquem (nossas ações e opções) ou que as façam nos parecer as mais justas. O estar junto, o ouvir alguém que nos dirige a palavra, faz da palestra, da conferência, da aula, “lugares vazios dispostos a se irem enchendo, sucessivamente, lugares da voz, onde se vai aprender de ouvido, o que resulta ser mais imediato que o aprender pela escrita, a qual inevitavelmente há que se restituir sotaque e voz para que assim sintamos que nos está dirigida” . Talvez aí resida o porquê da palavra dita, proferida em voz alta, dada sempre em seu percurso de construção, ser inapreensível, porque na escuta, como ensina ainda a filósofa Maria Zambrano, não temos que ir nos encontrar com a palavra; ela apenas vem, nos é destinada e por nós é sentida. E “pensar é, antes de tudo – como raiz, como ato –, decifrar o que se sente” . O diálogo com o Professor Valdemir Miotello que transcrevemos a seguir foi acomodado a um novo formato e, é claro, preserva as marcas de oralidade e carrega suas limitações, pois é impossível reproduzir o tom, a emoção, a palavra que flui entre intervalos ora estendidos, ora comprimidos e que por isso se desdobra no tempo e na memória. Contudo, não perde sua capacidade de reforçar a ideia de que é no debate livre e democrático, no enfrentamento dos conflitos e no reconhecimento do Outro que se dá a formação do ser humano livre e justo, pois o que nos prepara para o agir ético e responsável é somente o risco de exercê-lo radical e diuturnamente. Além disso, possibilita resgatar, tácita ou explicitamente, as ideias de ética como um construto da liberdade e de humanidade como o que nos confere a possibilidade de sermos livres. Essa humanidade que nos iguala na condição de seres livres, também nos distingue de outros animais e evidencia nossa perfectibilidade: não nascemos prontos. A vida que escolhemos viver e a ação que assumimos pôr em curso é que vão nos permitir avaliar se estamos ou não nos aprimorando. Ser perfectível, aperfeiçoar-se é potência do ser humano. Verter essa potência em ato é conquista e risco do exercício da nossa liberdade.
2) TEXTO, DISCURSO, GÊNERO: ALGUNS ELEMENTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS, DE ADAIL SOBRAL:
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Fontes: http://netlli.wordpress.com/2014/07/19/sugestao-de-leitura/
http://netlli.wordpress.com/2012/01/11/dica-de-leitura-discurso-da-etica-e-a-etica-do-discurso-de-valdemir-miotello/
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