sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Educador preparado para derrubar barreiras

Toca a campainha e a aula começa: na sala, os alunos, sentados em carteiras individuais, arrumadas em colunas, devem prestar atenção somente à voz do professor e ao conteúdo da disciplina, que ele organiza e esquematiza na lousa. Cada sala, aliás, agrupa geralmente alunos da mesma idade, que cursam o mesmo nível educacional, encerrada por quatro paredes; a porta de cada sala permanece a maior parte do tempo fechada, pois o assunto da aula é adequado apenas àquele grupo de alunos. Livros e cadernos de anotação não são compartilhados e as avaliações também são individuais. Os trabalhos, ainda que feitos em grupo, são entregues diretamente ao professor, que sozinho avalia o conteúdo e o esforço empreendido na pesquisa e na redação destes. Esse é o modelo de educação que os professores e todas as pessoas com 25 anos ou mais estão habituadas, pois foi nele que foram educados. Mas a escola do século XXI abre novos caminhos e propõe outros desafios.
Gestão Educacional acompanhou o I Fórum de Qualificação Docente, ocorrido durante o GEduc 2014, no qual gestores e educadores se reuniram para debater a qualificação de professores e o preparo para a utilização das novas tecnologias em sala de aula. O desafio da qualificação docente é imenso, ao se levar em conta as dimensões territoriais do País. Com 5.564 municípios e dezenas de milhares de escolas, cada qual com desafios particulares e inseridas em um contexto único, a tarefa de formar educadores para um ensino de melhor qualidade, sem desprezar as particularidades de cada região, cidade e escola, apresenta-se como trabalho interminável. Vencer as barreiras impostas pela distância que se observa entre aluno e professor, bem como entre escola e  comunidade onde ela está inserida, também é um enorme desafio, destacam os educadores ouvidos. Já o uso de novas tecnologias em sala de aula suscita diversos questionamentos: Como controlar o uso de tablets e iphones na escola, para que esses dispositivos sirvam como ferramenta didática, e não distração? E que lugar exerce a comunicação digital na alfabetização? Finalmente, qual o papel do professor diante da troca de informações no mundo digital: o de mediador ou o de censor? As respostas e as soluções para essas e outras questões não são óbvias ou definitivas, mas as perspectivas que se abrem nos debates apontam para uma escola mais aberta, cujo conhecimento é compartilhado, seja no mundo virtual ou com a comunidade onde está inserida.
Formação para a prática
Um dos maiores desafios que se impõe à qualificação docente ainda é a conciliação entre a didática aprendida na universidade e a aplicação prática desse conhecimento em sala de aula, o que exige habilidade de relacionamento e capacidade para compreender o ser humano que é o aluno. “As competências do educador têm uma dimensão técnica, pois ele precisa saber o que vai ensinar, além de uma dimensão pedagógica, pois é preciso saber o caminho que se vai percorrer. E o professor precisa conhecer seu aluno, saber que há uma relação entre pessoas, que esse sujeito é outro, o que constitui a dimensão estética do trabalho. A sensibilidade deve estar presente e ele tem que conhecer o contexto de seu trabalho, a comunidade, as políticas [públicas que afetam a comunidade]”, avalia Terezinha Rios, doutora em Educação e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Educadores (Gepefe) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE/USP). Ela enfatiza que ainda há muita distância entre o aluno e o professor, bem como entre a escola e a comunidade onde está inserida.
Foi pensando em derrubar parte dessas barreiras que a Secretaria de Educação de Belo Horizonte (MG) elaborou um programa de qualificação docente que envolve toda a rede municipal paralelamente a uma política de ensino integral, em que no primeiro turno há as disciplinas do currículo regular, enquanto no segundo turno as escolas promovem o encontro entre os estudantes e a cidade. Sueli Maria Baliza Dias, secretária municipal de Educação de BH, conta como funciona o programa: “O aluno que fica dentro da escola tem a oportunidade de conviver com outras habilidades, e desenvolver competências o torna um sujeito mais completo. Em nosso programa, o aluno passa cerca de nove horas na escola, mas convive com toda a cidade, pois não fica confinado aos muros da instituição. Visita museus, parques, tem aulas de dança, de esportes. Temos 650 parceiros para esse programa da escola integrada”, conta. Outra iniciativa é o programa Férias na Escola, em que os alunos podem passar parte dos meses de férias participando de atividades da instituição, o que também abre as portas da escola para as famílias. “O que queremos na escola não é só que o aluno aprenda os conceitos primeiros de leitura, escrita e matemática. Queremos que se torne um cidadão, que consiga conviver com o mundo e melhorar esse mundo”, diz a secretária.
A qualificação dos professores da rede de Belo Horizonte anda lado a lado com o projeto de abertura da escola, pois segue o mesmo espírito inclusivo. Sueli argumenta que a formação docente, principalmente a continuada, não se dá de forma individualizada. Não é, segundo ela, escolha exclusiva do professor o caminho a trilhar em uma graduação ou pós-graduação, pois essa escolha deve passar pela escola e por suas políticas e pelo trabalho coletivo da rede de ensino. Ou seja, para garantir o sucesso de um programa de formação continuada para os professores, é preciso oferecer boas condições de trabalho, bons salários e um plano de carreira associados ao programa.
Na rede municipal de Belo Horizonte, o programa de qualificação docente inclui formação externa – por meio de convênios com universidades para cursos de pós-graduaçãostricto e lato sensu – e formação interna, com encontros semanais com professores que discutem temáticas variadas. A formação interna é realizada de acordo com a carga horária do professor, que na rede da capital mineira é de 22 horas e 30 minutos semanais.
Terezinha Rios concorda que a qualificação do professor, bem como o planejamento de aula, devem ser remunerados. “Fiz um trabalho na Secretaria Municipal de São Bernardo do Campo [SP], onde há o projeto de o professor dispor de um terço de sua carga horária para aprimoramento”, conta. Medidas como um regime de dedicação exclusiva a uma única escola são essenciais para o sucesso de um programa abrangente de formação continuada, segundo a pesquisadora. Outra medida importante é diminuir o número de profissionais na área de educação em regime temporário. “A própria denominação 'temporário' já indica a situação precária de trabalho”, lembra Terezinha. “Algo muito importante para qualquer profissional é a segurança, a possibilidade de ter um contrato que assegure a continuidade do trabalho”, completa. Ou seja, é muito mais fácil dedicar-se a uma pós-graduação quando se tem segurança e horários definidos de trabalho.
O governo federal, por meio do Ministério da Educação (MEC), tem um programa de formação continuada para professores da educação infantil e dos ensinos fundamental e médio que inclui cursos curtos, a distância, de graduação (licenciatura) e de pós-graduação. Além dos programas de formação para professores, há também os para gestores. O e-Proinfo, por exemplo, é um ambiente virtual colaborativo de aprendizagem que permite a concepção, a administração e o desenvolvimento de cursos a distância, complemento a cursos presenciais, projetos de pesquisa, projetos colaborativos e diversas outras formas de apoio ao ensino a distância e aos processos de aprendizagem.
A importância do EaD
Segundo a secretária Sueli, hoje há 450 mil alunos cursando licenciatura na modalidade de ensino a distância entre os cerca de 1,4 milhão de estudantes de licenciatura nas universidades do País. E a opção não vale somente para aqueles que lecionam ou vivem em lugares distantes das universidades. Um exemplo é o curso de licenciatura em Ciências da USP, que forma professores de Ciências para o ensino fundamental. A graduação funciona na modalidade semipresencial, com aulas e trabalhos virtuais, além de uma aula presencial por semana, aos sábados. Boa parte dos alunos são professores atuantes da rede de ensino paulistana, que buscam melhor formação e moram na capital paulista. Os modelos semipresencial ou a distância oferecem a vantagem de economizar tempo de deslocamento para quem trabalha 40 horas semanais ou mais, como é o caso de muitos professores e gestores educacionais. Segundo dados da Prova Brasil 2011, 26% dos professores que responderam ao questionário afirmaram ministrar 40 horas-aula semanais e 23% afirmaram ministrar mais de 40 horas-aula semanais.
Terezinha concorda que as principais dificuldades da formação continuada são a própria organização do trabalho do professor, dos horários, e a disponibilidade de tempo para que ele possa participar de eventos ou outras atividades organizadas na escola. “O EaD acaba sendo visto como vilão da história por quem acha que o bom é o ‘olho no olho’,  a modalidade presencial. Quando me perguntam o que acho do ensino a distância, respondo perguntando a que distância está do aluno o professor em sala de aula. Acho que temos de nos dispor a usar o que está à nossa disposição, principalmente tendo em vista nossos limites”, afirma ela.
Por que e como avaliar
Além da qualificação docente, a avaliação do professor é outra questão ligada ao desempenho. Leila Rentroia Ianonne é especialista em avaliar o desempenho de professores e alerta para o perigo que oferece uma avaliação enviesada e maliciosa aplicada aos educadores. “A avaliação tem caráter técnico, mas envolve questões éticas e políticas”, afirma.  “Quem avalia deve saber que está em uma posição privilegiada, observando o outro, e isso pressupõe uma competência relacional extremamente elaborada. Quem avalia o professor deve sempre saber o que se quer com aquela avaliação e ter em mente que o professor é um intelectual cujo maior desejo é ser respeitado”, afirma Leila. Segundo ela, nunca se deve mascarar a intencionalidade da avaliação.
Leila ainda acredita que somente aplicar a avaliação, sem o empenho de entender o diagnóstico que ela oferece a respeito do trabalho da escola como instituição, não traz muitas vantagens. “A avaliação é importante para que a instituição encontre respostas para muitas das perguntas que a assolam”, afirma. Isso porque toda avaliação é um processo de forte conteúdo técnico, pois indaga sobre valores e significados sociais. “E não pode funcionar no improviso”. Todo processo avaliativo consome recursos, tempo, dinheiro, planejamento e envolve dimensões éticas e políticas do trabalho do professor e dos gestores. “Só vale a pena quando a escola sabe exatamente o quer com a avaliação”, afirma a especialista. 


Fonte: http://www.gestaoeducacional.com.br/index.php/reportagens/recursos-humanos-lideranca/744-educador-preparado-para-derrubar-barreiras

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