quarta-feira, 11 de abril de 2012
O (hiper)texto e suas implicações no ensino
Texto
É bem verdade que a noção de texto tal como se apresenta hoje dentro das teorias do texto e do discurso é fruto de muitas discussões que atravessaram diferentes momentos da história. Um breve olhar sobre o percurso da LT comprova eficazmente isso que afirmamos. Da gramática da palavra e da frase para os estudos textuais-discursivos percorremos longos caminhos. A princípio, na
perspectiva da análise transfrástica, chegou-se até mesmo a pensar o texto como um amontoado de frases, cujas regras deveriam ser previamente seguidas para ser construído. Entretanto, posteriormente, constatou-se que a centralidade na forma não dava conta da amplitude do texto. É aí que se começa a dar ênfase à questão dos sentidos do texto, os quais, para serem construídos, dependem de uma série de fatores que ultrapassam o puro conhecimento da língua.
Esquematicamente falando, o texto é uma unidade que se bifurca entre a língua e o mundo.
É assim que pensa Marcuschi, quando afirma que: o texto é o resultado atual das operações que controlam e regulam as unidades morfológicas, as sentenças e os sentidos durante o emprego do
sistema linguístico numa ocorrência comunicativa. (...) Um texto está submetido tanto a controles e estabilizadores internos como externos, de modo que uma LT razoável não deve considerar a estrutura linguística como fator único para a produção, estabilidade e funcionamento do texto.
Nem se pode tratar o texto simplesmente como uma unidade maior que a sentença, pois ele é uma entidade de outra ordem na medida em que é ocorrência na comunicação. (MARCUSCHI, 2009, p. 30) Como vimos, o que o autor denomina de internos e externos, nada mais é que aquilo que esquematizamos acima, respectivamente como língua e mundo. Em todo caso, o que há de se ressaltar é que o texto (oral e escrito) sempre será a unidade básica da comunicação humana. Como tal, não pode deixar de levar em consideração as questões inerentes ao mundo da vida, pois, como bem disse Silveira:
mesmo considerando-se que o uso da língua nas diversas formas de
interação humana se dá, em princípio, através de textos, há de se convir,
portanto, que não se podem descolar do texto os componentes discursivos,
a fim de que possa considerá-lo como uma unidade social e
contextualmente completa. (SILVEIRA, 2005, p. 33)
Finalmente, convém afirmar que o texto é um “evento comunicativo no qual convergem ações linguísticas, cognitivas e sociais.” (BEAUGRANDE, 1997, p. 10 apud KOCH, 2009). Ademais, não podemos esquecer que todo texto é tentacular na sua construção e recepção, por isso, nas palavras de Marcuschi, “uma das ideias centrais da Linguística de Texto hoje é a da não monolicitidade de sentido do texto, já que o texto é uma proposta de sentidos múltiplos e não do sentido único.” Eis porque a ideia do sentido único não passa de ficção.
Hipertexto
A nosso ver, partir do conhecimento do conceito de texto é fundamental para compreender o que é um hipertexto. Aliás, como veremos adiante, todo hipertexto não deixa de ser um texto. E até mesmo o texto impresso tem características hipertextuais. A novidade, portanto, vem com as mudanças tecnológicas, pois, para Koch (2009, p. 61) “a diferença com relação ao hipertexto
eletrônico está apenas no suporte e na forma e rapidez do acessamento.” Consoante Marcuschi (idem, p. 1), o termo “hipertexto” foi cunhado por Theodor Holm Nelson em 1964, para referir uma escrita eletrônica não-sequencial e não-linear que se bifurca e permite ao leitor o acesso a um número praticamente ilimitado de outros textos a partir de escolhas locais e sucessivas, em tempo real. Com efeito, ao navegarmos na internet não é difícil encontrarmos nós e links que
conectam um texto a outro, de modo que, se sairmos clicando aleatoriamente, podemos até nos perder como se estivéssemos num labirinto.
Neste sentido, para Xavier (2004, p. 171), o hipertexto – um “protocolo da tecnocracia” – constitui-se como “uma forma híbrida, dinâmica e flexível de linguagem que dialoga com outras interfaces semióticas, adiciona e acondiciona à sua superfície formas outras de textualidade.” Tal hibridização é facilmente visível, pois as diversas semioses se fundem de tal maneira que nos deparamos com
um mundo de palavras, imagens, sons, movimentos etc. que parece não ter fronteiras limítrofes entre si. Contudo, o importante é perceber que todos esses elementos são fundamentais para a construção dos sentidos no hipertexto.
Em suma, quando estamos diante do hipertexto eletrônico, temos realmente a impressão de que aquele território não tem fronteiras, pois podemos navegar livremente “para frente” e “para trás”, sem os limites previamente impostos pelo texto impresso. No dizer de Koch (2009, p. 63), “o hipertexto constitui um suporte linguístico-semiótico hoje intensamente utilizado para estabelecer interações virtuais desterritorializadas.”, embora seja relevante notar que tal desterritorialização não significa falta de coerência nem banalização do hipertexto. Os links, por exemplo, são “amarrações” que buscam construir sentidos.
Hipertexto eletrônico versus (hiper)texto impresso
Marcuschi (ibidem) afirma que é comum ouvir-se hoje que o hipertexto representa uma novidade radical. Entretanto, diz ele que, a rigor, o hipertexto não é novo na sua concepção, pois sempre existiu como ideia na tradição ocidental; a novidade está, portanto, na tecnologia que permite uma nova forma de textualidade.
Com efeito, se tomarmos por base alguns gêneros textuais impressos, bem como alguns suportes, veremos que a sua construção não difere radicalmente do hipertexto eletrônico. Uma reportagem, por exemplo, publicada num jornal impresso ou numa revista impressa de grande circulação também apresenta características de descentração, ou seja, permite ao leitor “quebrar” a estrutura
linear da leitura, direcionando-se para os boxes, as fotos, as legendas, os mapas, os gráficos etc. que compõem todo o corpo da reportagem em foco.
Além do mais, a própria reportagem “dialoga” com outros gêneros do próprio jornal ou da revista, como o editorial, as cartas dos leitores, os artigos de opinião, os comentários dos colunistas, as charges, as manchetes etc. Assim, não seria a reportagem jornalística impressa um gênero hipertextual, já que é intertextual, não-linear e intersemiótica por excelência? Uma coisa é certa: a compreensão da reportagem como um todo significativo, depende dos elementos a ela acoplados, os quais vão muito além do linguístico.
Pois bem. Tal princípio também se aplica a inúmeros outros gêneros/suportes textuais. É assim que podemos dizer da enciclopédia, do dicionário, do índice de livro, sem esquecer os gêneros do domínio acadêmico, recheados de citações, notas de rodapé, marcadores metaenunciativos etc. como os artigos científicos, as monografias, as dissertações de mestrado e as teses de
doutorado. A própria LT hoje concebe o texto como uma proposta de múltiplos sentidos.
Não é sem razão que em todos esses gêneros/suportes verificamos, com Koch (2009, p.63), que “a compreensão não se dá de maneira linear e sequencial, como se pensava antigamente, o que vem a constituir um argumento a mais para afirmar que todo texto é um hipertexto.”
Ancorados em Marcuschi (2001) e Koch (2008; 2009), elencamos as principais características do hipertexto. Optamos por eles porque julgamos bastante didático o caráter de suas exposições. Além do mais, não diferem do que pensam os demais autores. Portanto, caracterizam o hipertexto o/a:
• não-linearidade ou não-sequencialidade (característica central): estrutura-se reticularmente, não pressupondo uma leitura sequenciada com começo, meio e fim;
• volatilidade: que é devida à própria natureza do suporte;
• topografia: trata-se de um espaço não-hierarquizado de escritura/leitura, de limites indefinidos;
• fragmentariedade: não existe um centro regulador imanente;
• acessibilidade ilimitada: acessa qualquer tipo de fonte, sejam elas dicionários, enciclopédias, museus, obras científicas, literárias, arquitetônicas etc.;
• multissemiose: absorve diferentes aportes sígnicos e sensoriais (palavras, ícones, efeitos sonoros, diagramas, tabelas tridimensionais etc.);
• interatividade: possibilita ao usuário interagir com a máquina e receber, em troca, a retroação da máquina;
• descentração ou multicentramento: ligada à não-linearidade, à possibilidade de um deslocamento indefinido de tópicos;
• intertextualidade: funde e sobrepõe inúmeros textos que se tornam simultaneamente acessíveis a um simples toque de mouse. No hipertexto, a intertextualidade atinge o seu grau máximo;
• conectividade: determinada pela conexão múltipla entre blocos de significado;
• virtualidade: constitui uma matriz de textos existentes enquanto potencialidade;
• interdisciplinaridade: inter-relaciona as diversas áreas do conhecimento simultaneamente;
• coautoria: o hiperleitor é, ao mesmo tempo, coautor, pois a versão final do texto é dada por ele, depois de percorrer os caminhos que julga necessários.
É fácil verificar tais características. Basta ao sujeito estar inserido nas práticas de letramento digital e conectar-se a um computador com internet. Nesse oceano de textos linkados já não assusta navegar. Da responsabilidade de fazer pesquisas no Google Acadêmico à liberdade de escrever um comentário em uma foto de um amigo no orkut, as características acima elencadas mesclam-se sem que ao menos as percebamos.
Considerações Finais
Tomamos o texto como um todo significativo, cuja compreensão depende de fatores linguístico e extralinguísticos (inerentes ao discurso). Neste sentido, o hipertexto também é entendido como um texto e muitos textos impressos apresentam características hipertextuais. No entanto, apresenta certas particularidades em virtude da tecnologia que lhe serve de suporte.
Assim sendo, o hipertexto eletrônico tem como principais características a não-linearidade, a volatilidade, a virtualidade, a multissemiose e a topografia. A rigor, essa ideia de hipertexto não é tão nova o quanto parece; a novidade está na tecnologia, pois a enciclopédia, os dicionários, os índices, as reportagens são exemplos claros de hipertextos em sua forma impressa.
A bem da verdade, podemos dizer que à medida que a tecnologia evolui, a língua também passa por mudanças. Como dissemos, por exemplo, diante de gêneros hipertextuais como uma “conversa” no MSN, as fronteiras entre oralidadeescrita nunca foram tão tênues. É assim que viemos das tábuas de argila, do manuscrito, da escrita topográfica e estamos em plena era digital.
Atrelado a esse conceito de hipertexto, entendemos a hipertextualidade como um conjunto maior, cujos elementos são os hipertextos. A ela também podemos chamar de “enunciação digital”, visto que as formas de textualidade no hipertexto têm suas singularidades.
Muito séria é a questão do hipertexto no ensino. Os documentos oficiais pouco dizem sobre isso. As pesquisas nas universidades a cada dia crescem e se multiplicam, mas os desafios na prática escolar ainda são imensos. Todavia, muito além dos muros da escola as práticas de leitura/escritura na internet são uma realidade que se impõe. As contribuições são muitas, os desafios também. Resta-
nos tentar inserir essas novas mídias no ensino, partindo dos recursos dos quais dispomos.
Para saber mais ler: http://www.ufpe.br/nehte/simposio/anais/Anais-Hipertexto-2010/Valfrido-da-Silva.pdf
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