Por Alexandre Le Voci Sayad*
O sucesso de público e de crítica do filme As Aventuras de Pi, de Ang Lee, que arrebatou também alguns Oscars, despertou uma daquelas “ciber-iras”, ou revoltas online, que de tempos em tempos enchem a internet de ranço e rancor. No caso, o autor que inspirou o roteiro, Yann Martel, tem sido acusado de plagiar a história do escritor gaúcho Moacyr Scliar (mais precisamente do livro Max e os Felinos). Em ambas, garotos enfrentam a desventura de viver, ao lado de gatos selvagens.
Discursos acalorados e até ofensas são postadas em entrevistas de Martel no YouTube – há também aqueles “Policarpos Quaresmas” modernos que acreditam que o Brasil foi colocado de lado “novamente”. Scliar, um ano antes de sua morte, foi elegante e sublime ao gravar uma entrevista relativizando o caso.
O debate é rico, sem dúvida, mas cresce ainda mais se pensarmos que por trás da questão da autoria há um sociedade com infinitos meios virtuais criando conteúdo coletivamente e, algumas vezes, meramente reproduzindo ou mencionando outros.
A polêmica Martel/Scliar não é anacrônica; é fundamental para entender como os processos, ideias e mesmo a arte são criados no mundo hoje. O fel que transborda pela internet tem razão de ser. Como educador, me preocupa que este assunto esteja tão longe da escola enquanto debate, mas tão perto enquanto realidade.
Há 20 anos, tirar fotocópias de livros e “colar” nas provas parecem atitudes simplórias se pensarmos na questão do plágio hoje. Mergulhar a fundo na questão significa debater o crowdsourcing e a inteligência coletiva, compreender o “control C+control V”, colocar a Wikipédia em xeque e perceber as nuances possíveis em licenças como o Creative Commons. Em suma, redefinir o próprio conceito de autoria faz-se necessário.
As experiências educativas que mais conseguem colocar o estudante frente a frente com essas e outras questões contemporâneas fazem dele mesmo, o jovem, um produtor e criador. Não apenas estimulam o debate, mas estimulam o aluno a produzir e questionar seus métodos.
Os projetos que envolvem desenvolvimento de comunicação por jovens, como revistas e documentários, colocam a autoria num outro patamar de debate – o texto não morre na gaveta da escola e a colagem não vai apenas para o mural da sala. São publicados para a sociedade. Isso acontece porque, quando bem feitos, os trabalhos com comunicação não tratam de uma simulação; lidar com a polêmica Martel/Scliar torna-se, então, inevitável.
Quando era adolescente, fiquei indignado com o plágio que o cantor britânico Rod Stewart fizera da canção Taj Mahal, de Jorge Ben Jor, após umas férias no Brasil. Tentei levar esse debate a uma aula, mas não reverberou.
Hoje não é diferente. Autoria e criação são ainda distantes, salvo as exceções mencionadas, do cotidiano de uma escola “vouyeurista” e estéril.
Dentro das salas de aula, Scliar é sinônimo apenas de um grande escritor e Martel, um predestinado ao Oscar. Questões mais profundas continuam sendo vistas pela janela, do lado de fora, no lugar onde a vida pulsa mais forte.
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