Pense no seguinte exemplo: você sente aquela dor abdominal e desconfia que tenha alguma coisa errada. Vai então ao médico, que lhe prescreve uma série de exames. Você se submete a eles, leva os resultados novamente ao médico, que faz um diagnóstico e… Pronto, parou por aí. Metaforicamente, acredita Luciano Rocha, especialista em avaliação e aprendizagem, é exatamente isso que tem acontecido com os grandes exames da educação brasileira, como o Enem e a Prova Brasil. Imprimem-se muitos esforços e recursos para conceber e aplicar essas provas, mas elas não ajudam o professor a fazer intervenções pedagógicas para solucionar problemas que estejam acontecendo agora. Para resolver essa questão, Rocha sugere dois caminhos complementares: a criação de índices elaborados localmente e a adoção de estratégias para grupos com níveis de aprendizado parecido.
“O professor é o sujeito da mudança, mas ele recebe o diagnóstico do aprendizado muito tarde”, afirma Rocha. A Prova Brasil, exemplifica o especialista, é feita a cada dois anos e avalia apenas língua portuguesa e matemática no 5o e no 9o ano. “Esse exame tem uma escala de proficiência cheia de informações, mas os professores têm dificuldade de interpretá-las. Como ele não sabe, ele não tem como intervir”, afirma. Os resultados, quando chegam, dizem respeito à escola e não ao aluno, que normalmente nem estuda mais ali, uma vez que as avaliações são feitas em anos finais de ciclo. Assim, os alunos avaliados seguem seu percurso escolar sem terem tido a oportunidade de corrigirem suas deficiências. “Voltando à analogia da saúde, é como se o médico tivesse de prescrever o remédio com base num diagnóstico impreciso do paciente anterior. As avaliações educacionais deveriam ser precoces e contínuas”, diz ele.
E o problema tem a ver com a forma como o brasileiro lida com a avaliação. “A gente tem uma ideia distorcida de avaliação. Não usamos as provas para melhorar nosso desempenho. Usamos só para saber como estamos”, afirma Rocha, que destaca ainda o fato de o Brasil ter uma cultura avaliativa muito recente, iniciado na década de 90. Diante desse panorama, Rocha determina três tipos de avaliação: a classificatória, que é representada pelo Enem desde que ele passou a servir como um grande vestibular nacional; a gerencial, que é a de índices como Ideb e Pisa, avaliações que funcionam como diagnóstico de grandes grupos de aluno para governos; e a de uso pedagógico, que está a serviço da aprendizagem. É nesta última, defende ele, em que é preciso investir.
O primeiro passo nesse sentido é ter avaliações mais localizadas, cujos resultados saiam a tempo de serem usados pelo professor. “Muitos municípios estão fazendo seus próprios indicadores e gerando seus relatórios”, diz ele. Com os dados dos alunos em mãos, os professores conseguem entender em que fase do aprendizado cada um está e desenvolver atividades que os ajude de forma mais efetiva. “O ideal é que fossem adotadas plataformas adaptativas, mas essa é uma realidade ainda difícil nas escolas públicas brasileiras”, afirma ele. Uma possibilidade muito mais plausível, defende o especialista, é a separação das turmas em grupos menores com nível semelhante de proficiência para que se possa dar uma atenção mais individualizada para os alunos. Essa opção é mais fácil, afirma, quando se tem a oportunidade de trabalhar no contraturno ou em escolas de ensino integral. “Até hoje as escolas trabalham com um currículo padronizado, mas todos já entendemos que a aprendizagem não pode ser padronizada”, diz.
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