segunda-feira, 24 de junho de 2013

A imagem do professor na mídia e a carreira docente

Por Richard Romancini

Há algumas semanas, a imprensa divulgou resultados de uma pesquisa mostrando o baixo interesse de estudantes de licenciaturas da USP pelo magistério. Esta investigação é antecedida por outros estudos que enfocam temática similar, como o trabalho de Paula Louzano et al. (Quem quer ser professor? Atratividade, seleção e formação docente no BrasilEstudos em avaliação educacional, n. 47, p. 543-568, 2010) e o de Bernadete Gatti e colaboradoras (A atratividade da carreira docente no Brasil. Estudos e pesquisas educacionais, n. 1, p. 139-209, maio 2010).
 
Em paralelo, alguns estudos sobre a imagem do professor na mídia têm sido realizados, como os do livro organizado por Adilson Citelli (Educomunicação: Imagens do professor na mídia. São Paulo: Paulinas, 2012).
 
Existem intersecções entre os temas “imagem do professor na mídia” e “atratividade da docência” que vale a pena explorar, notando, ainda, que a principal justificativa dos estudos sobre o último ponto está relacionada à importância dos professores na qualidade da educação. Exemplo muito citado é o da Finlândia, país no topo das avaliações do PISA desde 2000 e cuja seleção de docentes é feita dentre os 10% de alunos com desempenho mais elevado nas universidades.
 
A situação brasileira, conforme mostram as pesquisas, é diversa. Fenômeno notável é a escassez de professores, particularmente no ensino médio e das áreas de exatas. Os dados sobre a formação dos professores mostram avanços, como o aumento do índice de professores de ensino fundamental com diploma de ensino superior (20% em 1991, e 60% em 2006), que não se traduziram, porém, em melhor aproveitamento escolar dos alunos. Há uma tendência de mudança no perfil dos estudantes das licenciaturas, com mais alunos oriundos de famílias das classes populares, com formação em escolas públicas, até a graduação, e instituições privadas neste nível.
 
Um aspecto constatado sobre a percepção dos estudantes – e provavelmente da sociedade como um todo – é que a docência possui uma remuneração baixa, com condições de trabalho ruins e com reconhecimento social menor do que sua importância.
Os sinais de “crise” da profissão docente ultrapassam as fronteiras brasileiras, o que, se não atenua os problemas locais, ao menos indica que há fatores relacionados com mudanças estruturais num âmbito global que a afetam. Um exemplo dessa situação é que, nos Estados Unidos, 30% dos novos docentes desistem da profissão, após três anos, e estes são justamente os que tiveram melhor desempenho acadêmico prévio.
 
Do ponto vista social e também das subjetividades individuais, o modo como a mídia apresenta uma profissão influencia a percepção sobre esta. Assim, pode ser considerado um dos aspectos que afetam as representações sociais que incidem sobre a atratividade maior ou menos de uma carreira e a escolha de certo projeto profissional. 
Representações do professor
 
A discussão teórica feita por Adilson Citelli, na introdução do livro mencionado, esclarece que as formações discursivas produzidas pelos meios de comunicação evidenciam determinadas imagens que orientam processos de representação. As representações, por sua vez, envolvem as relações entre os planos da significação, da realidade e as imagens decorrentes; possuem vínculos com a realidade, porém, correspondem a um nível de construção e não de reprodução estrita do mundo. Esse aspecto é submetido a estratégias de disfarce, no discurso midiático.
 
"A professora" - obra do artista J. Borges,  xilogravurista e cordelista brasileiro.
 
O autor avança, notando que duas grandes categorias narrativas tendem a representar a figura do professor: uma representação comprovadora e outra de predicação. A primeira é composta, tanto por registros e discursos negativos (falta de preparo dos professores, violência escolar, greves, etc.), quanto pela menção a experiências de sucesso. No âmbito do jornalismo essas representações têm em comum o fato de relegarem a educação e o professor às editorias de polícia ou economia. Na representação predicativa, o discurso não apenas indica sucessos e fracassos, mas também encaminha alternativas. Estas são observadas, nos estudos de caso do trabalho, principalmente a partir dos tecnocratas e administradores, sendo o professor, bem como suas entidades e órgãos de classe, uma exceção dentre os produtores desse tipo de discurso/representação. 
 
Observa-se, quanto à representação comprovadora, um cruzamento entre o campo midiático e os efeitos da imagem do professor nas falas de alunos do ensino médio pesquisados sobre a profissão docente. Assim como os meios de comunicação tendem a ressaltar a importância da educação, mas dão à mesma um tratamento aligeirado, os estudantes são quase unânimes em falar da relevância dos professores, porém, enxergam a docência, na maioria das vezes, como uma profissão indesejada. Aqui, transparece a contradição existente na imagem que a sociedade brasileira constrói sobre a profissão docente: “ao mesmo tempo em que ela é louvável, o professor é desvalorizado, social e profissionalmente, e, muitas vezes, culpabilizado pelo fracasso do sistema escolar”, conforme observam Gatti e colaboradoras. 
 
Não por acaso, essas autoras destacam, entre o conjunto de proposições derivadas de sua pesquisa quanto à atratividade da carreira docente, a “necessidade de intervenções midiáticas e outros movimentos que resgatem no imaginário social a valorização do professor e do ensino público”.
 
O tipo de “intervenção midiática” fica em aberto, no entanto, é certo que os dados das pesquisas apontam para a urgência de imaginar positivamente – no plano das práticas e representações – os professores. Buscar outras vozes para elaborar uma nova representação social da identidade e imagem dos professores, incluindo a dos docentes – pouco ouvidas e divulgadas pelos meios, como mostra o trabalho de Citelli – também será tarefa importante. A própria mídia poderá ser enriquecida nesse processo.
 
P.S.: alguns dias após a conclusão deste texto, vi em minha linha de postagens do Facebook uma imagem incomum sobre a profissão docente (compatirlhada acima). Trata-se de uma xilogravura do artista e cordelista J. Borges. No trabalho, uma professora de olhar sério e singelo está rodeada de alunos e prováveis pais dos estudantes; à sua esquerda, há um quadro no qual está escrito: “A educação é a base de tudo”. Aparentemente, os jovens e a sociedade brasileira sabem disso, mas precisamos tirar implicações dessa compreensão.

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