Qual é o ponto de partida para a construção do conhecimento? As certezas ou as dúvidas?
É um questionamento que dá margem a um mar de argumentos e possibilidades de respostas, especialmente se considerarmos o vasto campo da Filosofia e tantos representantes que já engendraram teorias e pensamentos acerca da verdade, do conhecimento e, porque não dizer, do não conhecimento. E nesse último bloco podemos enquadrar a ignorância formal e os mecanismos que permitem a desconstrução dos saberes historicamente, com o reconhecimento da dúvida como um ato de investigação e, portanto, inerente ao processo educativo.
E aproveitando a citação da Filosofia, é importante resgatar que Sócrates tinha, na dúvida, a base de sua concepção filosófica e seu discípulo Platão defendia que a essência de tudo estaria no mundo das ideias, fértil seara para afirmação, negação e contraproposições infinitas quanto à questão das verdades puras ou absolutas. Outros filósofos que vieram depois também deram sequência à busca pela verdade, reforçando, assim, o valor do questionamento.
No trecho a seguir, extraído do programa “Provocações”, de Antônio Abujamra, ele lê um trecho de Bartolomeu Campos de Queirós sobre a dúvida:
Achei interessante reproduzir aqui textualmente o conteúdo, para podermos aproveitar um pouco mais essa descrição tão valiosa:
“É só a duvida que nos une e nos aproxima. É só disso que precisamos. Não acredito que haja nada verdadeiro. Tenho muito medo da verdade. Tive um professor de filosofia, o padre Henrique Vaz, a quem perguntei "o que é a fé?". Ele me respondeu que a fé é a duvida, porque somente ela nos é possível. Quando uma pessoa encontra a verdade, a única coisa que ela adquire é a impossibilidade de ouvir o outro. Ela só fala, não ouve mais. Quem encontra a verdade, só fala!."
Uma das coisas que mais me chamou atenção foi o trecho em que ele concede, à verdade, a condição ensurdecedora de poder que faz com que o indivíduo não mais ouça seus companheiros e se deixe embebedar por essa falsa promessa da certeza. E é esse o malogro absoluto daquele que se apodera das verdades absolutas e com elas pretende governar seus mundos.
Da Filosofia à vida, como ela se manifesta
Senti a imensa necessidade de contextualizar um pouco a dúvida à luz da Filosofia, uma vez que na lida cotidiana, nos perdemos tanto na busca pelas verdades absolutas, pelas teorias “sagradas”, pelas “bulas” miraculosas da administração ou outras fórmulas, que nunca dedicamos o tempo necessário para o diagnóstico de nossas próprias falhas, incertezas ou excesso de certezas. E não é o caso de se pensar em culpa. É a vida como ela se manifesta. É um processo gradativo de despertar e se manifestar à vida, começando com pequenas doses de questionamento.
Dito isso, é preciso, também, aproximar a temática do nosso viés principal aqui, que é a educação. Nitidamente que, se falo de dúvida como construto do processo educativo, estou falando abertamente e conscientemente de forma generalizada, dada minha crença pessoal nessa condição. Ao texto cabe então delimitar um pouco mais a cena. A percepção e a compreensão serão facilitadas se considerarmos uma instância menor.
Adotando, pois, a vida que se manifesta no produto social que é uma organização, temos obviamente a ocorrência de diversas situações da busca pela verdade ou pelas certezas como forma de se reduzir conflitos ou planificar um status. A dinâmica dos negócios exige uma cronologia de ações e reações que possibilitem o funcionamento da engrenagem. Nesse ritmo, muitos conseguem aprender o que precisam e vão além, outros se blindam de processos e automatizam a aprendizagem na média exigida e sustentável e, outros tantos, não aprendem, não se desenvolvem e se acomodam.
Longe de querer listar motivos processuais, culturais ou até históricos, o que pretendo aqui é levantar o valor da dúvida na educação em uma empresa e como ela é encarada na concepção dos programas educacionais. Alguns estudos indicam que pessoas questionadoras se desenvolvem muito mais. Mas como elas são vistas pelas empresas? Como os gestores estão lidando com as certezas? E a questão central que acredito imperar é como as pessoas estão sendo ouvidas nas ações de educação?
O conhecimento organizacional só é construído a partir da percepção da cultura, da história, do aglomerado de relações com o mercado, do comportamento do grupo de indivíduos que compõem a empresa e do constante exercício de aplicação, reaplicação e compartilhamento desses registros. Por mais que para um tudo esteja claro e cristalino, para outro ou vários outros sempre haverá uma forma diferente de perceber. E a dúvida de um pode ser importante para uma nova percepção do grupo ou para a contratualização de uma nova forma de se fazer alguma coisa.
Como bem disse Millôr Fernandes, “entre o fabricado e o omitido, só pode sobreviver o absoluto desconfiado”. Não aquele que desconfia de tudo. Mas aquele que encontra ambientes educacionais que o incentivam a questionar sempre se ele está realizando suas tarefas e projetos do melhor modo e o que pode ser feito para melhorar.
Mário Sérgio Cortella, filósofo brasileiro e autor do livro “Qual é a tua obra?”, tem uma opinião muito interessante sobre a dúvida, que ilustra muito bem o que tentei dizer nesse breve texto. Para ele, duvidar não é desacreditar de tudo, mas sim, abrir a possibilidade de fazer melhor para si e para os outros. E ele alerta ainda para que se tenha cuidado com gente que não tem dúvida. “Gente que não tem dúvida não é capaz de inovar, de reinventar, não é capaz de fazer de outro modo”.
Fonte: http://educacaonaempresa.blogspot.com.br/2013/03/consideracoes-sobre-duvida.html
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