terça-feira, 20 de junho de 2017

Trabalho: entre o prazer e o sofrimento

Por Yesica Núñez Pumariega         Resultado de imagem para vivencias de prazer e sofrimento no trabalho        


     & Shírlei da Silva Paganini

Introdução

    O trabalho sempre fez parte da vida do homem, ele é considerado qualquer atividade física ou intelectual, realizada pelo ser humano, sendo o objetivo, produzir ou obter algo para satisfação pessoal ou desenvolvimento econômico.
    Assim como alguns sociólogos tais como Foucault, Max e Kant visavam o trabalho como necessidade da vida humana e como prolongamento da atividade natural do homem, a Psicodinâmica do Trabalho surgiu segundo DEJOURS (1992), na França nos anos 80 desenvolvida por ele mesmo, possibilitando, uma compreensão contemporânea da subjetividade no trabalho. Esta também teve como proposta, direcionar e se preocupar com a saúde do trabalhador, ou seja, se preocupa com o porquê e os elementos que levam o trabalhador a adoecer no seu trabalho, dando voz ao trabalhador de expressar seus sentimentos, e contradições no contexto do trabalho, que são consideradas as principais geradoras de sofrimento e prazer no trabalho.
    Bouyer (2010) destaca alguns pontos principais da Psicodinâmica do trabalho com base nas publicações de Dejours sendo estes: A importância do reconhecimento; a construção da identidade; compromisso entre sofrimento e defesa; sublimação como estratégia de enfrentamento; racionalidade prática; alienação social; e outros.
    O trabalho na atualidade não diferente da nossa antiguidade é fonte de sobrevivência, de prazer e de sofrimento. Este faz parte da construção da identidade e subjetividade do homem. No capitalismo o trabalhador, vende sua força de trabalho para realizar a reprodução social, consumir e produzir. Este tipo de trabalho aliena o homem, fazendo com que este não reconheça aquilo que produz e desconheça seu processo de produção. No capitalismo, que se baseia no lucro, o trabalhador é considerado por aquilo que produz e na qualidade de sua produção, na maneira em que este não atenda as demandas do sistema este é simplesmente descartado, ou seja o trabalhador não é dono dos meios de produção e do trabalho, estes pertencem ao capitalismo. Desta maneira pode-se afirmar que a essência do capitalismo se encontra na separação entre o capital e o trabalho. O trabalho pode ser fonte de prazer ou de sofrimento, sendo que este último é resultante do reconhecimento que pode vir pelos pares ou chefias enquanto que o sofrimento resulta da falta de reconhecimento e insatisfação pelo coletivo de trabalho.

Resultados das discussões
Prazer
    O prazer e o reconhecimento são essenciais na compreensão, resignificação e transformação do sofrimento. A organização de trabalho tem a capacidade de agir como mediadora da construção de métodos favoráveis à saúde, ou pode ocorrer o oposto, conduzir ao adoecimento.
    Através de pontuações da trabalhadora (Assistente Social) observa-se que o trabalho ao mesmo tempo em que lhe trás prazer lhe causa sofrimento e grande insatisfação pela falta de reconhecimento pelas chefias, apesar disso a mesma demonstra sentir prazer e gostar do que ela faz, sendo uma grande satisfação ver seus alunos (clientes) felizes e saber que ela colaborou para que tal comportamento estivesse presente.
    Segundo Mendes e Muller (2013) a visão psicodinâmica da busca pelo prazer e a maneira de evitar o sofrimento são partes da constituição subjetiva, formação do ego e de todos os mecanismos de defesas individuais e coletivos; sendo essa uma busca incessante, pois ao alcançar a gratificação, substitui-se por outro desejo, dando origem a uma nova busca pelo prazer e evitação do sofrimento, sendo a sublimação um dos caminhos mais benéficos e eficazes para o encontro com a satisfação.
    Sabendo que o trabalho pode ser tanto fonte de sofrimento, quanto de prazer é necessário que a organização de trabalho possua um espaço de negociação entre o sujeito e o real do trabalho, para que haja um ambiente favorecedor à saúde o que proporciona a existência de liberdade para regular os objetivos da organização aos desejos, anseios e necessidades dos funcionários e leva ao estabelecimento de relações sócio-profissionais democráticas e justas entre a instituição e trabalhador. Desta maneira, o trabalho deve proporcionar ao trabalhador uma mobilização subjetiva, uma atividade psíquica capaz de evitar o sofrimento e resignificar sua relação com o trabalho (Mendes e Muller, 2013).
    Nesta entrevista foi possível perceber que a assistente social, se utiliza da racionalização do sofrimento, afirmando que não é reconhecida pelos seus superiores (reconhecimento vertical), pois seu cargo é novo na empresa, porém existe o reconhecimento pelos clientes e pares (reconhecimento horizontal), o que lhe impulsiona a permanecer na empresa sem que haja o adoecimento, pois a mesma consegue resignificar este sofrimento, através da sublimação, sentindo-se pertencente a um grupo profissional, o que possibilita o reconhecimento de sua identidade singular, levando assim ao prazer no trabalho.
    Existem três aspectos da mobilização subjetiva que possibilitam a busca pelo prazer, são eles a inteligência prática, o espaço público de discussão e deliberação, a construção do coletivo de trabalho via cooperação e o reconhecimento. Através destes constituintes é que se provoca a mobilização para a resignificação do sofrimento.
    É importante ressaltar que o prazer está ligado à possibilidade do uso da criatividade da organização flexível, que não deixa os trabalhadores presos em um trabalho prescrito, possibilitando a abertura para a mobilização subjetiva que sustenta um trabalho que é real, (Souza, 2006). O que não é aplicado nesta empresa que a trabalhadora atua, pois a existência de hierarquias da mesma impossibilita o diálogo entre o coletivo, prejudicando a execução da inteligência prática no ambiente de trabalho, sendo desconsiderado totalmente o real do trabalho.
    É possível notar na fala da trabalhadora quando perguntado sobre a valorização em seu ambiente de trabalho e o relacionamento com as chefias, que dentro da organização existe uma falta de autonomia na execução de suas atividades em detrimento da existência de uma hierarquia, a mesma afirma que não consegue colocar em prática suas idéias, pois não há um diálogo entre o coletivo de trabalho e a não existência de uma organização flexível que possibilite o uso da criatividade, acaba prendendo os trabalhadores ao trabalho prescrito, o que dificulta que haja uma mobilização subjetiva que sustente um trabalho que é real e diverge em muitos aspectos do prescrito.
    A falta de diálogo entre o coletivo pode dificultar o uso dos mecanismos psicológicos (estratégias defensivas), essas estratégias têm a função de amenizar a percepção do sofrimento proveniente do trabalho, afastando os riscos de doença mental somática (Gernet, 2010), estas estratégias têm como finalidade auxiliar os trabalhadores a lidar com o sofrimento sem adoecer, com o intuito de permanecerem em seus cargos.
    Dejours (2011), ressalta que o sofrimento se torna criativo quando o sujeito consegue subvertê-lo em prazer a partir da inteligência da prática, que é astuciosa, criativa e subverte a prescrição para acrescentar a contribuição do sujeito para a organização do trabalho, entretanto esse ambiente de resignificação é tomado pelos entraves existentes na empresa, dificultando o alcance do prazer no trabalho.
Sofrimento
    Para Rosas, Moraes (2011) o sofrimento faz parte da condição humana e no ambiente de trabalho ele é ampliado, principalmente, em detrimento da lacuna existente entre Trabalho Real e Trabalho Prescrito. Ao se deparar com o real o sujeito experimenta o fracasso que no caso Assistente Social ocorre pelo fato dela não saber como lidar com o problema apresentado ou pelo fato de pensar em agir de uma forma diferente da implicitamente exigida pela cultura da empresa, o que a impede de solucionar o problema como ela gostaria.
    Dentro da Organização de trabalho existem muitas situações que podem ocasionar o sofrimento, salvo-conduto que a realidade exigida pelo cotidiano coloca o trabalhador muitas vezes diante de circunstâncias, na qual nem sempre é possível manejar o prescrito partindo do real. Como foi dito anteriormente, a organização e que a trabalhadora (assistente social) está inserida, dificulta que a mesma ofereça sua contribuição singular para criar soluções, o que pode acabar impedindo o movimento pela busca de realização de prazer. Para Dejours (2011), em troca de sua contribuição o sujeito espera receber uma retribuição, em forma de reconhecimento, que acaba por fortalecer a identidade e traz ganhos no plano da subjetividade do mesmo; esta falta de reconhecimento que leva ao sofrimento patogênico.
    Em casos como estes podendo provocar sofrimento no trabalho, como o estresse e o esgotamento físico e psíquico. Tal sofrimento pode provocar doenças sérias como a Síndrome de Burnout, síndrome que atinge principalmente os profissionais das áreas das ciências humanas, e que caracteriza-se por uma reação de estresse crônico, sentimentos de desilusão e frustração atrelados a vários fatores relacionados á função que o indivíduo exerce no seu emprego, onde o trabalhador percebe que não consegue retirar do seu trabalho, um sentido, um significado existencial. Esta parece ocorrer freqüentemente em pessoas que criam grandes expectativas com relação ao seu trabalho como explica SOUZA E SILVA.
    Burnout, parece acontecer em pessoas altamente motivadas e dedicadas, observando-se nos profissionais acometidos uma queda na performance que influi na qualidade dos serviços prestados (SOUZA; SILVA, 2002, pág. 38).
    Para que haja uma transformação do sofrimento é necessária a existência de um contexto que favoreça a participação intersubjetiva entre todos os atores envolvidos no processo dinâmico que é o trabalho. A existência de adversidades está diretamente vinculada ao cumprimento de metas produtivas, bem como, a importância da existência de um manejo permanente das relações interpessoais, com os pares de trabalho, com superiores, assim como os clientes.
    Quando esgotados os recursos defensivos e perdurando a vivência do fracasso que da origem ao sofrimento, Dejours (2007) considera como sofrimento patogênico. A potencialização do sofrimento leva a depressão e desestabilização. Que pode provocar uma crise de identidade, pois o sujeito passa a duvidar de sua capacidade, o que atinge sua identidade, podendo provocar patologias, tanto psíquicas quanto somáticas.
    Segundo Moraes (2013), o sofrimento pode tanto patogênico como pode também agir como um impulsionador de mudanças; pois quando vivenciado uma situação problema o sujeito busca uma solução em busca do alívio do sofrimento, esta busca pelo prazer através da subversão do sofrimento é fruto do sofrimento criativo. Esse processo é viabilizado quando ocorre a cooperação, através da existência de espaço para a fala e pelo reconhecimento, aspectos fundamentais para que ocorra essa subversão do sofrimento em prazer.
    Portanto é dentro deste contexto que a dinâmica do reconhecimento ganha uma ênfase maior, pois é a partir desta dinâmica que se torna possível superar os entraves que surgem na vivência real do trabalho. Esses entraves acabam dificultando a realização do trabalho dentro da instituição, impossibilitando que o mesmo exerça determinadas atividades que poderiam impulsionar o rendimento da instituição e proporcionar ao colaborador um maior bem estar dentro de seu setor de trabalho.
Reconhecimento
    Como foi dito anteriormente, observou-se a falta de reconhecimento da trabalhadora (assistente social) por parte das chefias, porém nota-se em seu discurso um enorme prazer em seu trabalho, fruto do reconhecimento dos pares e clientes, o que leva a concordar com a visão de Junior (2009), que o reconhecimento através de elogios dos pares e esta relação interpessoal entre colegas, surge como indicativo de prazer, o pertencimento a grupo que apesar das dificuldades enfrentadas, é capaz de superá-las.
    O reconhecimento é a forma de retribuição simbólica advinda da contribuição dada pelo sujeito, pelo engajamento de sua subjetividade e inteligência no trabalho (Lima, 2013).
    É registrado que a falta de reconhecimento no trabalho é muito prejudicial, já que o trabalho faz parte da constituição do sujeito, é ele quem identifica e define a pessoa humana, podemos concordar com a concepção de Dejours (2007, p.21), que visa o trabalho como um mediador insubstituível da realização pessoal no campo social, já que por meio dele é possível compartilhar e adquirir novos conhecimentos que podem nos ajudar na estruturação e constituição da personalidade. É importante ressaltar o que Dejours (1999, 2008) chama de contribuição-retribuição. O trabalhador contribui se esforça e faz coisas além do exigido na empresa e espera ser reconhecido pela mesma, si isto não acontece, sentimentos como insatisfação e desmotivação podem fazer com que o rendimento antes tido por este indivíduo no seu trabalho já não seja o mesmo, sem levar em consideração que em conseqüência deste trabalhador ultrapassar seus limites pode adoecer e se tornar um sujeito descartável.
    Para a psicodinâmica existe um triângulo da identidade, formado pelo Sofrimento – Trabalho – Reconhecimento, para Lima (2013) nesta tríade a retribuição simbólica proveniente do reconhecimento é composta pela construção de sentido atribuído à vivência de sofrimento no trabalho, sendo que esta retribuição proporciona a transformação do sofrimento em prazer.
    A falta de comprometimento da alta administração e demais gestores, tanto quanto discussões não claras e pouco freqüentes, podem desfavorecer o reconhecimento dos investimentos afetivo, físico e cognitivo realizado pelo sujeito para contribuir com a instituição, impedindo que o trabalhador busque formas de enfrentar, superar e transformar as situações deletérias inerentes ao trabalho. Somente é possível transformar o sofrimento em prazer no trabalho resignificando-o, isto é, lhe atribuído um sentido, o que confere ao trabalhador um sentimento de que valeu a pena todo o esforço investido na realização da atividade, e, caso não haja essa resignificação a relação do sujeito com o trabalho, confrontada com as distorções que sempre vão existir entre o trabalho prescrito e o real, continuará marcada pelo sofrimento, (Moraes, Rosas, 2011).
Conclusão
    Relacionando os dados colhidos durante a entrevista e os aspectos trazidos pela Psicodinâmica do Trabalho, compreende-se que a dinâmica do reconhecimento é constituída como uma ação essencial e imprescindível na construção da identidade individual e coletiva, criada a partir das relações estabelecidas no ambiente de trabalho, levando ao favorecimento da qualidade de vida e bem estar subjetivo do indivíduo, considerando o diálogo entre o coletivo de trabalho para que haja um rompimento nos entraves que impossibilitam a resignificação da relação de trabalho e do sofrimento, permitindo assim que haja um maior engajamento dos profissionais, criando uma organização flexível que possibilite a mobilização subjetiva, que dá abertura para a resignificação do sofrimento em prazer.
    A partir do que foi apresentado e discutido acima se pode concluir que é de extrema importância o reconhecimento vertical e horizontal no trabalho, pois isto fortalece a subjetividade e a identidade do indivíduo, fazendo com que este passe a utilizar sua criatividade para ter uma produtividade melhor e sentir prazer no trabalho que exerce. Entende-se que é preciso reconhecer o empenho dos trabalhadores dentro da organização de trabalho, pois é a partir deste reconhecimento que os mesmos se sentirão valorizados, para assim se impelirem na realização de seu trabalho e sentir prazer em contribuir com a organização.

Fonte:  http://www.efdeportes.com/efd202/trabalho-entre-o-prazer-e-o-sofrimento.htm

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