Décadas atrás, a leitura de gibi por parte de alunos não era bem vista por alguns professores. Hoje, o gibi foi reabilitado, mas a linguagem da internet ? o chamado internetês é apontada como um fator que pode prejudicar a aprendizagem da língua materna.
Professor de Português Jerônimo Pereira Junior - 24 anos de profissão. Especialista em Língua Portuguesa, Mestre e Doutorando em Literatura Brasileira.
Boa parte dos críticos dessa linguagem está mais preocupada com os erros de ortogra-fi a ou com o excesso de abreviações. Entre-tanto, segundo dois renomados professores de Língua Portuguesa e de uma psicopedagoga de Passos, os problemas mais sérios são a redução extrema de vocábulos, causando a pobreza voca-bular, e a falta de criatividade na escrita. Ambos são o resultado da defi ciência na leitura de bons textos literários, informativos e opinativos. É que jovens e crianças usam boa parcela do tempo na internet para acessar as redes sociais, nas quais o vocabulário se restringe a um número reduzido de palavras.
Os três são unânimes em dizer que “nunca se escreveu tanto como agora”. E foi justamente isso que trouxe à tona as defi ciências na escrita da lín-gua materna, expondo até mesmo celebridades de fato (e não forjadas) ao ridículo de ser corrigidas por erros de português.
“As dificuldades com a produção de texto vão muito além do uso do internetês”, diz a professora Heloísa Mônica Ajeje Gonçalves, com 40 anos de profissão. Segundo ela, os próprios alunos perce-bem quando deixam escapar um “vc” (você) ou um “naum” (não) no meio de um texto escolar. Entretanto, os erros mais recorrentes são o uso de letras minúsculas em nomes próprios, como “Brasil”, por exemplo, a falta de criatividade na produção de textos e até mesmo a falta de opinião. “Devido à cor-reria dos últimos tempos, os alunos têm cada vez amenos paciência para ler textos e a leitura é fundamental para quem vai escrever”, frisa a professora, que atua nas redes pública e parti-cular de ensino, na Fesp e em seu curso de português, em Passos.
Professora de Português Heloísa Mônica Ajeje Gonçalves - 40 anos de profissão“: As di ficuldades com a produção de texto vão muito além do uso do internetês.”
Há 24 anos à frente de seu curso de português, o professor Jerô-nimo Pereira Júnior diz que os erros ortográfi cos não estão apenas na internet, mas em todos os lugares. “Chegamos a uma época em que não é possível encontrar um panfl eto, cartão de visita, anúncio de jornal ou qualquer coisa escrita em que não haja ao menos um erro de português”, observa ele. Para o professor, os erros não causam nenhum constrangimento. “As empresas erram ao grafar o nome dos produtos que vendem, normal seria que isto afetasse a credibilidade da empresa. Mas não há o mínimo pudor por parte de quem erra, por-que o consumidor não sabe o certo e não se importa com o erro”, diz ele, completando: “Não saber escrever sequer o nome do produto que vende é manifestar a latente crise de identidade que sofre, a pessoa não sabe sequer o que ele é e se julga capaz de produzir algo para o próximo.”
Adequação da linguagem
“Para escrever bem hoje, é fundamental conhecer bem a estrutu-ra de cada tipo de texto para selecionar adequadamente o padrão de linguagem”, afi rma a professora Heloísa Mônica, para quem o mundo moderno multiplicou as tipologias textuais, com o surgimento de vá-rios gêneros de textos. Ela dá o exemplo do e-mail (correio eletrôni-co) – um dos tipos de mensagens mais usados atualmente. “Muitas vezes, quem envia não sabe a diferença entre uma mensagem que vai para um amigo e aquela que é destinada a encaminhar um docu-mento de uma empresa, por exemplo”, observa a professora, que é especialista em Língua Portuguesa e em Literatura Brasileira.
Segundo Heloísa, a linguagem dos usuários das redes sociais “é muito solta, muito livre, cheia de lacunas” e, portanto, imprópria para o envio de um documento, “que tem caráter formal e exige padrão culto”. No seu ponto de vista, a maioria dos internautas que frequentam as redes sociais não sabe em que contexto usar uma ou outra linguagem. “Saber isso é importantíssimo não apenas por causa dos vestibulares, mas também das empresas que exigem uma linguagem adequada a cada tipo de situação comunicativa”, frisa a especia-lista. Ela ensina que quem escreve deve saber qual é o objetivo do texto a ser redigido e a quem ele se destina. Essas informações indicarão qual o registro mais ade-quado a ser usado.
Psicopedagoga Vanessa de Almeira Riboli Beirigo - Vários cursos de especialização na área e 7 anos de experiência clínica: “A visualização de muitas das palavras de nossa língua é fundamental, pois, a escolha da grafia correta está ligada à memória visual.
Mestre em Literatura Brasileira, especialista em Língua Portuguesa e doutorando em Literatura Bra-sileira, o professor Jerônimo disse que as pessoas estão escrevendo cada vez mais. “Antes da Internet poucos tinham espaço para escrever; hoje, com todos escrevendo, vem a público a falha da escola, a Internet mostra o que não se aprendeu, conclui-se que a escola prejudica a Internet, e não o oposto”, observa. Segundo ele, os jovens postam mensagens sem se preocupar com a pontuação. “E o pior é que o outro entende a conversa normalmente, e ainda responde. Parece que estão criando um idioma paralelo”, diz.
Para ele, os diálogos nas redes sociais revelam a falta de conteúdo de boa parte dos usuários. “O diálo-go deles (usuários das redes) é decorado, é sempre o mesmo por falta de conteúdo e de vocabulário. O su-jeito faz uma pergunta já sabendo qual será a resposta, portanto não precisa escrever”, diz o professor. Jerônimo culpa uma parte da mídia que transforma pessoas sem expressão “em celebridades”. No seu ponto de vista, não só a internet, mas outras tecnologias, como o celular, são mais usadas hoje para futilidades. “Não é privilégio dos jovens; hoje, mestres e doutores cometem erros grosseiros na escrita”, critica o ganhador de vários prêmios literários, que está preparando um livro, cujo título provisório é “Doutores de bosta”. A obra será uma crítica à preocupação com títulos, mas não com conteúdos.
Falta concatenação
O uso demasiado das redes sociais apenas para bate-papos sem conteúdo traz sérios problemas no momento da produção de texto seja na escola, seja na empresa ou mesmo na vida pessoal. Heloísa é de opinião que os usuá-rios das redes não precisam abrir mão de seus bate-papos, “mas deveriam dedicar uma parte do tempo para acessar textos de qualidade, como editoriais, artigos de opinião, crônicas, entre outros. Isso faria diferença na sua vida cultural e profissional.”
Conforme a especialista, a falta de organização coerente de ideias é um dos sérios problemas en-contrados em redações escolares ou mesmo nas de vestibular. “Se a pessoa lê bons textos literários, ou de articulistas brilhantes, aprenderá com eles a conca-tenar bem as ideias, argumentar de forma pertinente e original. O problema é que a maioria usa essa fan-tástica ferramenta – que é a internet – para conversas fúteis e improdutivas”, critica Heloísa.
O professor Jerônimo tem opinião semelhante. Segundo ele, as pessoas deveriam se afastar mais da televisão e buscar mais conhecimento sólido. “Ortografi a errônea, o professor corrige; mas, para escre-ver é preciso ter o quê? O crescimento em ideias e conteúdo só a leitura traz, jamais a televisão”, observa.
Ele disse que a situação pode melhorar com a lei-tura e com uma mudança na mentalidade de pais e alunos. “O aluno vê a escola como um castigo. Acha que não é necessário estudar para passar de ano. E é o que parece, pois o governo estabelece normas que difi cultam a reprovação. Quem está no poder não quer formar cidadãos que possam depois questionar este poder”, critica Jerônimo.
Psicopedagoga analisa influência da linguagem
Com vários cursos de especialização na área e sete anos de experiência clínica, a psicopedagoga Vanessa de Almeida Riboli Beirigo analisa a interferência do chamado internetês no padrão de escrita de crianças e adolescentes. Segundo ela, uma corrente de pesquisadores aponta uma interferência negativa, uma descaracterização da língua culta; outra cor-rente não vê problemas na linguagem usada na internet, já que ela estaria atrelada à rapidez que marca o mundo moderno.
“Dizemos que os jovens usam mais o face que o book”, diz Vanessa Beirigo, fazendo um trocadilho com o nome da principal rede social, no momento – o Facebook. Segundo ela, o uso do internetês não tem preocupado os pais, embora possa influenciar no aprendizado da língua materna, em determinadas circunstâncias.
A especialista afirma que é preciso considerar três situações. Os ado-lescentes que têm o hábito da leitura – tanto literária quanto informativa – e uma base alfabética preservada, não constituem preocupação, porque eles sabem usar cada tipo de linguagem nos diferentes contextos e nos diferentes canais.
Já os adolescentes que não têm o hábito da leitura e sequelas na base alfabética podem enfrentar problemas no futuro, na época do vestibular ou mesmo de concursos. “É preciso diagnosticar o problema e iniciar, o quanto antes, uma reabilitação do processo de escrita”, observa a psico-pedagoga.
Outra preocupação é em relação às crianças em fase de fundamenta-ção do processo de alfabetização. “Se elas têm um contato excessivo com a escrita usada na internet, podem se confundir no momento de produzir um texto em língua padrão. A visualização de muitas das palavras de nossa língua é fundamental, pois, a escolha da grafia correta está ligada à me-mória visual,” explica Vanessa.
No seu entendimento, é importante que os pais acompanhem tanto as crianças quanto os adolescentes no uso do computador, orientando-os quando notarem excesso de abreviações, a falta de pontuação e a falta de acentos. “É preciso que os pais mostrem aos fi lhos que aquele tipo de linguagem não é adequado ao meio escolar. Já a escola poderia aprovei-tar essa linguagem e desenvolver projetos com os alunos em seus labo-ratórios de informática que permitissem a reavaliação da linguagem da internet no ambiente escolar”, frisa a especialista. Os professores, por sua vez, poderiam propor a criação de blogs, estimular a pesquisa em deter-minados assuntos, usando a escrita para trabalhar as trocas ortográficas.
“Não podemos descartar o uso da tecnologia associado à educação. Temos de aproveitar da melhor maneira possível, já que não há como re-sistir à linguagem da internet”, frisa a especialista. Outro caminho sugeri-do por ela é investir na leitura. “Aquela criança, aquele jovem que faz uso da leitura, certamente vai escrever muito melhor”, observa Vanessa, que conclui: “ela (leitura) funciona como uma memória fotográfica, uma vez que o leitor vai se lembrar da grafi a correta das palavras lidas e dela fazer uso.”
Por José dos Reis Santos
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